Noutros tempos, era comum ouvir-se no Brasil a expressão algo irônica: “Decisão judicial boa cumpre-se; a que não é boa, esta se discute”. Hoje, temos uma variante dela: “Decisão da qual não se gosta, chamemo-la de decisão ativista”.

Essa variante foi recentemente criada por um ministro de nossa Suprema Corte, e seja pelo insólito lugar em que ela foi pronunciada (na sede de um importante banco brasileiro, local, aliás, em que era comum ouvir-se aquela primeira expressão), seja em especial por aquilo que está envolvido no conteúdo dessa novel variante, é necessário que a analisemos com alguma profundidade, porque ela diz muito de como a economia e a política veem não apenas o Direito, mas o Direito positivo.

Como já tratamos aqui do conceito de “ativismo judicial”, remetemos o leitor àquela publicação. Cuidaremos, pois, de examinar apenas o que está no subtexto dessa nova expressão, surgida para denotar uma nova estratégia no discurso de grupos econômicos e políticos em geral que, em lugar de exporem à opinião pública a razão pela qual não gostam de uma determinada decisão judicial, tratam de acoimá-la qualificando-a como uma “decisão ativista”.

Para compreendermos o que está no subtexto dessa mensagem e de sua linguagem, como  diria ROLAND BARTHES, teremos que voltar atrás, mais precisamente a MARX, quando, desperto pelas agudas e preciosas observações de FUERBACH, deu-se conta de como a abstração produz no ser humano consequências que nem mesmo a abstração poderia imaginar, alienando o ser humano de tal forma que ele passa a ser objeto de sua própria vida. Ocorre, entretanto, como frisou MARX, que, nalguns raros momentos da história, o ser humano acorda de seu sono, revoltando-se com o ter sido posto como um objeto da alienação imposta por outros, e é exatamente essa revolta que obriga a economia e a política a fazerem concessões, o que explica que alguns direitos de repente surjam e se tornem lei, embora sejam sempre em número muito menor do que aqueles reclamados. E assim sabemos o que são as leis e como surgem, e isso nos leva a MACHADO DE ASSIS que, em crônica para o jornal “A Semana”, escreveu:

Não me argumentem com leis. Já é tempo de acabar com este respeito fedorento das leis, superstição sem poesia, costume sem graça, velho sapato que deforma o pé sem melhorar a andadura. A troça, que tem conseguido tanta coisa, não chegou a matar esse vício. O assobio, tão eficaz contra os homens, não tem igual força contra as leis que eles fazem. Ora, que são as leis mais que os homens que nos afrontem com elas?”

Portanto, devemos extrair da variante recém criada pelo ministro de nossa Suprema Corte a conclusão de que, tanto quanto as leis, muitas decisões judiciais surgem como uma espécie de concessão que o Poder faz em face dos necessitados, quando estes estão prestes a se revoltarem contra a alienação que lhes é imposta. As decisões judiciais que se pode chamar de “ativistas” são as decisões das quais a economia e a política não gostam, mas que são obrigadas a aceitar.

 

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