É da essência do poder a escolha entre soluções possíveis (e mesmo impossíveis). E, associado a esse poder de escolher, está o de decidir. No mundo do direito, chama-se a esse poder de “poder discricionário”, que não se confunde com o “poder arbitrário”. Este não tem limites, aquele sim. Quais são esses limites?

São aqueles que a Constituição e as leis em geral estabelecem. Assim é que devemos ler o artigo 2o. de nossa Constituição de 1988: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Com efeito, quando a norma constitucional fala em harmonia, está aí o limite da liberdade imposta a cada um dos Poderes. Ou seja, se um Poder avança além de um justo limite a sua liberdade de escolha e de decisão, invadindo a esfera de um outro Poder, surge a desarmonia, ou mais propriamente a usurpação de poder.

O tema vem a calhar porque está nas manchetes dos principais jornais a alegação de que o Congresso Nacional, ao votar a proposta de emenda constitucional (a de número 45), que qualifica como crime tanto a conduta de portar entorpecentes, estaria de algum modo a usurpar o poder do que cabe ao Poder Judiciário decidir, já que está sob análise em nossa Corte Suprema uma ação em que se controverte quanto à constitucionalidade de dispositivos de lei ordinária que qualificam essa mesma conduta – a de portar entorpecentes – como crime, quando se trata de porte de maconha.

O Supremo Tribunal Federal, nessa ação, está a analisar, sob a perspectiva do princípio da proporcionalidade, se não haveria justa razão para que se não criminalizasse essa conduta, de maneira que o Congresso Nacional, com a PEC-45 estaria a avançar sobre um tema que já está sob decisão do Supremo Tribunal Federal. Há ainda quem alegue que o Congresso Nacional, aprovando a PEC-45 estaria a “ofender a coerência e a lógica constitucional”.

Abstraindo aqui de tentar compreender o que pode significar a “lógica constitucional”, tantos são os sentidos que se pode emprestar ao termo “lógica”, que varia desde a lógica kantiana, até a lógica de HEGEL, passando pelos filósofos do Direito que tomaram de empréstimo o que aqueles filósofos haviam escrito, o que avulta analisar é se o Congresso Nacional estaria a sobre-exceder o limite de seu poder discricionário, ao legislar sobre um tema que, coincidentemente, está em análise noutro Poder. E a resposta é negativa.

O Congresso Nacional, como representante do povo e da opinião pública, tem a precípua função de legislar, para o que evidentemente dispõe de poder: do poder discricionário de fazer leis que atendam aos anseios da maioria da população. Há, é certos, matérias acerca das quais a Constituição impõe limites à legislação, limites em alguns casos intransponíveis, como são os conteúdos fixados em cláusulas pétreas. Mas não havendo esses limites, o poder discricionário do Poder Legislativo é de ser respeitado, e não pode ser contraposto por outros Poderes.

De modo que, se o Poder Legislativo entende por bem legislar no campo do direito penal, qualificando como crime determinada conduta, tratando-se de matéria que, constitucionalmente, é da competência do Congresso Nacional legislar, não se o pode impedir de fazê-lo.

Mas o que ocorrerá se o Supremo Tribunal Federal decidir que é inconstitucional a legislação ordinária que criminaliza a conduta de portar maconha? Nenhuma desarmonia, porque o que terá o Supremo Tribunal Federal analisado é apenas a legislação ordinária que existia, e não a novel emenda constitucional, se vier a ser aprovada a PEC-45. Surgirá então um novo cenário, em que existirá uma norma constitucional que se presumirá constitucional, e essa presunção, aliás, é maior do que se dá com a legislação ordinária, tanto quanto é maior o rigor exigido para se declarar inconstitucional uma norma constitucional.

 

 

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