Aconteceu-me ler uma curiosa notícia, que dava conta de que um advogado tivera a sua conduta em um processo judicial tachada como de litigância de má-fé, porque havia se utilizado, segundo ele próprio admitira, do apoio de uma inteligência artificial na construção de uma peça. O Tribunal entendeu que o texto havia sido escrito a quatro mãos (e a rigor por meio de duas cabeças pensantes, a do advogado e a da inteligência artificial), e que por isso se tratava de uma conduta processual que deveria ser punida, com o que aplicou ao advogado uma multa.

Fiquei a pensar horas a fio sobre esse interessante tema, o que envolve o uso da inteligência artificial no mundo do Direito e mais propriamente no campo do processo, mas não consegui chegar a uma conclusão segura e definitiva,  mas, esteja certo o leitor, nem por um minuto cogitei usar da inteligência artificial para compreender melhor o que a realidade, ela própria, trazia-me.

E foi exatamente a realidade que me fez pensar sobre  as obras doutrinárias,  que de há muito e o tempo todo são empregadas pelos operadores do direito, advogado e juízes, como apoio a seu pensar. Pois bem, quando o advogado e o juiz usam de uma doutrina, não estão a usar de uma mente que não é a própria, a sua, mas de alguém aliás que poderá nem mesmo mais existir, de uma mente  que poderia ser considerada artificial nesse sentido? É certo que, nalguns casos, a doutrina não pode ser considerada como uma “inteligência”, senão que ao contrário disso, tantas são as tolices que alguns doutrinadores escrevem.

E a figura do Legislador, não seria ela também uma artificialidade? Assim, quando se diz que o Legislador quis um determinado objetivo, de quem estamos a falar? De um ser humano de carne e osso, ou de uma pura idealidade, tanto quanto o é a inteligência artificial?

Também fui conduzido a pensar na ideia que, historicamente, levou à criação dos tribunais. A ideia de que três cabeças pensam melhor que uma só, e por isso é melhor que a sentença de um juiz seja revista por um tribunal formado por cabeças pensantes. Não seria melhor, da mesma maneira, que o advogado e o juiz pudessem contar com uma inteligência artificial, antes de escreverem suas peças e sentenças?

Refleti ainda se o processo, que opera necessariamente com a linguagem, e não com a verdade, se o processo afinal não é, ele próprio, uma artificialidade, tanto quanto o é a inteligência artificial, inúmeras e constantes e perigosas as invenções que as mentes humanas fazem produzir diuturnamente no processo judicial, engendrando fatos que nunca existiriam, ou os modificando em tamanha medida que daquilo que eram na realidade nada sobrou.

Como disse, conquanto tenha pensado por longas horas, não cheguei a nenhuma conclusão definitiva sobre o tema, mas ao menos uma certeza alcancei, porque, caro leitor,  afirmo que não hesitaria entre uma boa ideia construída por uma inteligência artificial e uma estapafúrdia ideia vinda de uma cabeça humana: ficaria, obviamente, com a inteligência artificial.

 

 

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