No episódio ora em curso, envolvendo a acusação criminal ao ex-presidente Donald Trump, comprova-se como o Direito não é, na maioria das vezes, senão que o resultado de uma cultura local, e não como parece a muitos um produto puramente racional da mente de um onipresente e onisciente Legislador. MARX tinha certa razão quando decidiu desistir do curso de Direito que então frequentava em Berlin, já adiantado em seu quarto ano. MARX achava que o Direito era “papinha de criança”, porque nele não havia o puramente racional, não ao menos no mesmo grau que existe na Filosofia.

O leitor comum, ao deparar-se com a manchete estampada nos jornais de que são nada mais nada menos 34 acusações as aplicadas a Trump, terá certamente a impressão de que se trata de algo grave, quiçá gravíssimo o que se imputa ao ex-presidente, com a possibilidade inclusive se o levar à cadeira elétrica. Pois são 34 acusações.

Mas o mesmo leitor, se interessado nos detalhes, buscar saber o que são essas 34 acusações, ficará surpreso ao saber que se trata de um e só fato e que, praticado 34 vezes, levou a acusação a afirmar que são 34 crimes os praticados por Trump. Um primeiro detalhe surge aí, se compararmos com o Brasil, cuja legislação prevê a figura do crime continuado quando se trata de um mesmo contexto fático-jurídico aquele em que todos ou crimes ocorreram, de maneira que, perante a Legislação brasileira, trata-se de um só crime, embora continuado. Lá, segundo a cultura norte-americana, e mais a do Estado de Nova Iorque, cada crime é um distinto crime e que se pode somar a outros da mesma natureza.

Então esse curioso leitor quererá saber qual é afinal o crime que foi praticado 34 vezes. Trump, diz a acusação feita pelo procurador distrital de Manhattan, teria manipulado os registros contábeis de suas empresas para poder pagar uma ex-modelo de uma revista para que ela não revelasse ao público de que teria havido  um relacionamento amoroso com Trump. A acusação é, pois,  a de que o ex-presidente falsificou, por 34 vezes, documentos para encobrir esse relacionamento amoroso, em especial durante as eleições à presidência daquele país.

Note-se que a acusação não afirma que Trump utilizou-se de dinheiro ilegal para comprar o silêncio da modelo. O dinheiro era seu e de suas empresas. A acusação é a de que ele maquiou os registros contáveis de sua empresa com a finalidade de esconder do público o relacionamento amoroso extraconjugal.

Suponhamos que se tratasse do mesmo fato no Brasil: um candidato a presidente da república ter querido esconder do público que tivesse um relacionamento extraconjugal, e que tivesse comprado o silêncio da amante com dinheiro próprio, e não dinheiro de corrupção. Como reagiria a nossa sociedade? O que diria a lei brasileira a respeito?

Vemos, pois, quão acentuada é a influência da cultura na elaboração das normas legais, e sobretudo em sua interpretação judicial, havendo pouco espaço para o racional, como bem observou Marx, que, aliás, também tivera um relacionamento extraconjugal com a empregada.

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