“TÍTULO III
– DA TUTELA DA EVIDÊNCIA
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente”.

Comentários: comecemos nos domínios do significante: o que significa “evidência”? Algo é evidente, dizem os dicionários, quando se o pode compreender sem dificuldade nenhuma, ou que não oferece dúvidas; ou seja, algo que é claro e que está demonstrado. É com esse sentido que o artigo 311 do CPC/2015 fala da tutela de evidência? Não, é a resposta.

“Evidente”, no caso da tutela da evidência, significa algo que parece estar claro, que parece estar demonstrado, e que não ensejaria dúvida. Mas não é bem assim. O que significa dizer que seria mais adequado que o CPC/2015 dissesse que a tutela não é de evidência, mas de uma “quase” evidência. É que o juiz  está ainda em um terreno que é próprio das tutelas provisórias, como o artigo 294 do CPC/2015 enfatiza, de maneira que, se se trata de uma tutela ainda provisória, o que é “evidente”  é apenas algo que parece “evidente”, mas que pode não ser, e caberá ao juiz descobrir durante o processo se aquilo que lhe parecia inicialmente claro, realmente o é.

Devemos observar, portanto, que o CPC/2015, ao tratar do que é provisório, criou uma determinada escala de valoração. E segundo essa escala, temos o que deve ser considerado como  “muito provisório”, como se dá com a tutela provisória de feição cautelar, em que a tutela jurisdicional a ser concedida deve ser tão cautelosa, quanto o próprio juiz no concedê-la. Mas temos também algo que é provisório em um padrão, digamos, médio. Nesse caso, há algo que permite ao juiz lobrigar a possibilidade de que o autor venha a ter razão, e como há uma situação de risco concreto e atual, aliado à verossimilhança, permite-se ao  juiz antecipe os efeitos da sentença, para a hipótese de o direito subjetivo alegado realmente existir. É o controle de uma situação de risco que justifica essa antecipação. Temos aqui a tutela provisória de urgência de feição antecipada. Dela já falamos, bem assim da tutela provisória de natureza cautelar, em face da qual também é a situação de risco concreto e atual que a justifica.

Mas falemos agora da tutela de evidência, e para tanto vamos voltar à referida escala, cuidando desde já observar que, na tutela provisória de evidência, não exige o CPC/2015 se configure uma situação de risco concreto e atual. Não que ela não exista ou possa existir, senão que se prescinde da existência do risco como condição a que a tutela de evidência possa ser concedida.

Mas voltemos à escala de valoração para observar que, no caso da tutela de evidência, não há algo que deva ser considerado como “muito provisório”, ou como provisório em grau médio. Temos, com efeito, algo que parece que  deveria ser definitivo, mas que ainda não o poder ser. Algo que parece evidente, mas o juiz não pode confirmar que o seja. As situações previstas nos incisos I a IV do artigo 311 devem ser consideradas sob esse enfoque. São elas:

  • caracterizar-se um abuso no exercício do direito de defesa, ou ainda um propósito manifestadamente protelatório, o que, a rigor, configura o abuso no direito de defesa;
  • as alegações de natureza fática possam ser comprovada apenas por documentos, e além disso, exista tese firmada em julgamento de casos repetitivas ou em súmula vinculante que se amolde com perfeição ao caso em questão;
  • tratar-se de ação em que se formula pedido reipersecutório (a ação de depósito), que é a ação na qual o autor reclama um bem ou direito que lhe pertence, mas que está em mãos de outrem, devendo existir prova documental que comprove a validez e a eficácia do contrato;
  • peça inicial que, em qualquer ação, esteja instruída com prova documental que se mostre, em tese, suficiente para demonstra o direito do autor, quando o réu não tenha, em contestação, infirmado a força da prova documental.

Nessas situações (à exceção da última), o juiz pode conceder a tutela provisória de evidência por meio de medida liminar. Note que se deve dizer “pode” e não “deve” no caso da tutela de evidência, porque o grau de discricionariedade do juiz é maior do que se dá com as tutelas provisórias de urgência de natureza cautelar e antecipada, porque quanto maior o grau de satisfação a ser gerado por uma tutela provisória, maior deve ser consequentemente o poder discricionário, e com ele maior o poder de prudência, porque enquanto na tutela provisória de urgência de natureza cautelar o juiz está apenas a proteger, no caso da tutela de evidência o juiz não se limita a proteger, senão que a satisfazer, tanto quando ocorre, em certa medida, com a tutela provisória de urgência de feição antecipada, embora nesta a carga de satisfação é e deve ser menor do que se dá com a tutela de evidência. Destarte, não há razão naqueles que sustentam que o juiz, para conceder a tutela de evidência, deve se satisfazer com a plausibilidade, o que se revelaria no mínimo um contrassenso lógico, na medida em que se o CPC/2015 fala em “evidência”, ainda que se deva considerar que não se está diante de algo verdadeiramente “evidente”, senão que “quase evidente”, não há como admitir que uma coisa meramente plausível possa justificar uma tutela de evidência, a justificar, pois, que o juiz somente possa conceder a tutela de evidência quando se depara com um grau de certeza muito próximo daquele que exigiria se tratasse da sentença e do provimento jurisdicional definitivo, e não apenas provisório.

Exemplo de uma ação em que se tem tornado comum a concessão da tutela de evidência é a ação de divórcio, quando o autor pretende que desde logo se decrete o fim do vínculo matrimonial, com os efeitos daí decorrentes, antes mesmo de o réu ser citado, sob o fundamento de que, em se cuidando de um direito potestativo aquele que é exercido quando se pretende o divórcio, ao réu não cabe senão que se conformar à vontade do outro cônjuge, cuja resistência, nessas circunstâncias não poderia gerar uma “dúvida razoável” no espírito do juiz.

 

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