Conquanto se trate do ramo do Direito em que o nível de abstração é altíssimo, em que praticamente todos seus institutos fundamentais foram estruturados com base puramente na ideia, e não na realidade material, e por isso se poderia esperar houvesse entre esse ramo do Direito e a Filosofia uma relação de maior proximidade, não é o que acontece. Estamos a nos referir ao Direito Processual Civil, esse ramo do Direito engendrado como ciência por jusfilósofos alemães, e desenvolvido por processualistas como CHIOVENDA, que a rigor pensavam mais como filósofos que como juristas.

Ainda hoje são raros, raríssimos os estudos de processo civil em que se nota uma preocupação do processualista em fazer uma abordagem filosófica. A filosofia, dizem os processualistas, é coisa para os filósofos, tanto quanto diziam a NIKLAS LUHMANN, quando ele se aventurou nos domínios da Ciência do Direito, para escrever a sua grande obra, “Sociologia do Direito”, em que, para fazerem estupefatos os juristas, dizia que o direito deve ser visto como um sistema e que a sua função essencial, se não decisiva, está em alcançar uma complexidade mais alta em sistemas sociais, operando com expectativas sobre expectativas. Nada mais distante da realidade, afirmavam, com escárnio, os juristas.

E se com a Filosofia os processualistas do processo civil querem manter distância, o que dirá da Semiologia? BARTHES é um desconhecido do processo civil, o que explica que aos processualistas não pareça relevante perscrutar sobre  “signo” e  “referente” em uma decisão judicial.

Propomo-nos aqui a fazer ligeiras observações sobre o que a Semiologia poderia trazer de contribuição ao Direito Processual Civil, se for levada a sério, como deve ser.

Consideremos, pois, o referente como sendo aquilo que ocorreu na realidade material, e como significante aquilo que está representado como uma suposta realidade na peça inicial de uma ação judicial. Obviamente, que há um espaço de tempo entre o que ocorreu na realidade, formando o litígio, e a narração dessa realidade que é feita na peça inicial, quando o advogado do autor representa essa mesma realidade nas peças que produz.  Obviamente que o juiz, ao tempo em que estiver a proferir a sentença, poderá adotar essa mesma representação feita pelo autor na peça inicial, ou aquela que o réu terá feito, ou ainda uma outra, construída pela mente do juiz.

Obviamente que é impossível fazer com que o real da realidade material em que o litígio surge coincida com a representação que dessa realidade fazem as partes e o juiz, e não é apenas o tempo o fator que obsta essa coincidência. É que o referente, ou seja, a realidade material que forma e conforma o litígio, não pode ser representado de maneira que coincida integral e necessariamente com o referente. O processo é a distância que existe entre o referente (a realidade material do litígio) e a sua representação. Uma distância que é de tempo e de significado.

Quando se afirma que o processo civil é o instrumento de composição da lide, deve-se ter em conta que aquilo que o juiz julga não é a lide, não é o referente, não é, pois, a realidade material do litígio, senão que a representação que é feita no processo daquela realidade. Surge, pois, o signo, ou mais propriamente os signos, com os quais o juiz opera quando está a escrever a sua sentença.

Signos que, como observa GILLES DELEUZE, não são objeto de um aprendizado temporal, mas sim um saber abstrato, e por isso se pode dizer que uma pessoa não se torna juiz senão porque se tornou sensível aos signos da Justiça, que são aqueles materializados no direito positivo. Toda sentença explicita quais foram os signos com os quais o juiz operou, e que importância deu a cada um.

Também é necessário considerar que à base de um signo está sempre uma conotação, o que se materializa com grande nitidez na sentença. O juiz extrai um sentido todo próprio da representação da realidade material feita na peça inicial e na contestação, e noutras peças que o processo contenha, o que quer dizer  que o juiz  utiliza-se da conotação, que é a extração de um sentido feita a partir da representação de um referente.

Como é impossível fazer com que a realidade do litígio corresponda à representação dela no processo, correto é dizer que o processo não é, nem pode ser instrumento de composição das lides, mas apenas das representações feitas no processo, decidindo o juiz em face de signos com os quais opera o tempo todo. Mas como o Legislador via de regra é jactancioso, sempre nos deparemos em um código de processo civil como o nosso de 2015 com a expressão “litígio”, como se o juiz pudesse decidir sobre a realidade, e não sobre a representação dela.

Quando o Direito Processual Civil entender que opera com instrumentos que foram desenvolvidos pela Semiologia, terá avançado bastante a ponto compreender quais são seus limites intransponíveis. Os jurisdicionados poderiam compreender melhor a Justiça como ela é.

É verdade que o Direito é feito de fatos; mas o processo civil, de representações de fatos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here