O jurista e sociólogo alemão, NIKLAS LUHMANN, formulou sua concepção do Direito baseada em “expectativas”.  O credor, segundo essa teoria, tem a expectativa de que o devedor pague a dívida. O Direito, para LUHMANN,  é o complexo de normas que regulam essas expectativas, sobretudo daquelas que são frustradas.

Não há dúvida de que o Direito opera com as frustrações, canalizando-as a seu modo. Mas então devemos pensar se não há razão no que afirma outro sociólogo, este francês, RAYMOND ARON, quando afirma que “as sociedades modernas parecem-nos mais injustas do que as do Antigo Regime se afiguravam aos que nela vivam. Por uma razão simples: as modernas sociedades democráticas invocam ideais em grande parte irrealizáveis e, pela voz dos governantes, aspiram a um inacessível domínio de seu destino”. 

Consideremos, a título de um emblemático exemplo, a norma constitucional que trata do salário mínimo, norma que faz gerar no trabalhador a expectativa de que o que vai receber por seu labor será exatamente aquilo que está previsto no artigo 7o., inciso IV, da Constituição de 1988, cujo enunciado normativo é o seguinte: “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Veja o leitor como a Constituição opera com o ideal, ao prometer ao trabalhador que ele não poderá receber um valor que não possa atender às suas necessidades vitais básicas, assim como às de sua família, seja com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

Não se pode excluir que um dia, quem sabe, esse ideal seja alcançado, e que o Brasil consiga fazer dessa norma constitucional uma realidade. Mas por ora, e por um futuro próximo, o trabalhador não pode contar com isso. Suas expectativas, frustradas até aqui, permanecerão assim, frustradas, por mais algum tempo, se é que algum dia as expectativas do trabalhador estarão satisfeitas.

O mesmo se poderia dizer do imposto sobre grande fortunas. A mesma Constituição de 1988 gerou na sociedade em geral a expectativa de que esse imposto seria criado, o que evidentemente atenderia a uma justiça tributária. Mas no caso dessa norma constitucional não se pode dizer que as expectativas não tenham sido atendidas. Sim, as expectativas daqueles que poderiam ser atingidos pelo imposto, e que ainda não foram, como quase certamente não virão a ser. Frustradas, contudo, as expectativas dos demais.

ARON acertou em cheio ao observar que as sociedades democráticas prometem muito, invocando ideais que os governantes sabem de antemão irrealizáveis, e para isso contam com o Direito e com o sistema de expectativas de que fala LUHMAN.

Mas há um limite imposto à assimilação das frustrações. MARX, que, aliás foi o objeto de estudo de toda a vida de ARON, percebeu que um dos encantos do capitalismo é exatamente o de fazer gerar expectativas, tal como faz o Direito, do qual o capitalismo utiliza-se como instrumento para manter seu poder.

MARX, como todo bom profeta, sabe o que vai acontecer, mas não sabe precisar o momento. Assim, quando o autor de “O Capital” afirma que o capitalismo desaparecerá quando o capitalista tiver uma grande quantidade de bens para a venda, mas não terá quem os possa comprar, está a pensar exatamente nas expectativas e frustrações. As mesmas expectativas e frustações que são imanentes ao Direito.

 

 

 

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