Foi KANT quem revelou aos juristas algo que lhes passara sempre olvidado: o de que o Direito, ao contrário do que sucede com a Moral, opera necessariamente com o mundo exterior, ainda quando se trate de aferir  um elemento subjetivo como o dolo. Ao se debruçar sobre a diferença entre o Direito e a Moral, KANT exemplifica com dois prosaicos exemplos.

No primeiro exemplo, há uma pessoa está caminhando por uma rua e percebe que logo atrás caminha um seu vizinho, o que faz com aquela pessoa adote um comportamento que não teria, não fosse a presença do vizinho, de maneira que a pessoa decide dar uma esmola a um mendigo, apenas com a finalidade de parecer ao vizinho de que era uma  pessoa dada à caridade.

E no segundo exemplo, KANT fala de um devedor que, demandado judicialmente, paga seu débito, conquanto jamais quisesse ter feito esse pagamento.

KANT, com base nesses dois exemplos, desimplica magistralmente a diferença entre o Direito e a Moral, ao dizer que, no primeiro caso, a norma moral não foi cumprida porque a Moral exige que a pessoa queira cumprir a vontade moral, e a esmola ao pobre somente foi dada para mostrar a um terceiro (ao vizinho) uma boa ação. Já no caso do devedor, conquanto ele não quisesse cumprir a norma legal, cumpriu-a com o pagamento,  o que significa dizer, enfatiza KANT, que a norma legal foi cumprida, porque esse tipo de norma, diferentemente da norma moral, não exige a vontade de cumprir, senão apenas o fato material que envolve seu cumprimento.

Daí a lição de KANT no sentido de que a norma legal opera necessariamente com o mundo externo, mesmo quando se trata de aferir o elemento subjetivo – do dolo, por exemplo -, que somente pode ser perscrutado se há alguma coisa perceptível no mundo da realidade concreta, o que cria uma dificuldade bastante grande no campo probatório, como comprova o fato de as condenações por improbidade administrativa terem se tornado quase que excepcionais, depois da mudança da Lei tipificando a conduta de improbidade administrativa apenas quando há comprovação de que o agente público tenha agido com dolo.

E o mesmo deverá suceder com a nova lei de Licitações – a lei federal 14.33/2021 -, que tipifica as infrações às licitações e aos contratos administrativos quando há comprovação do dolo.

Destarte, como o Direito opera com uma imanente limitação cognitiva quanto à aferição e caracterização do elemento subjetivo, do dolo, por exemplo, daí  a indisputável conclusão de quão difícil é comprovar, no plano da realidade material, tenha o agente público querido violar princípios constitucionais.

 

 

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