Esta celeuma criada com as críticas do presidente da república ao Banco Central por conta da taxa de juros fez-me lembrar do único conto escrito por FERNANDO PESSOA em português, “O Banqueiro Anarquista”. E lá me pus a pensar, no terreno da pura ficção, o que ocorreria se tivéssemos, presidindo um banco central de um país imaginário um banqueiro que fosse anarquista, nos moldes em que EÇA construiu o personagem. Imagino o seguinte diálogo entre essas duas autoridades de um país fictício.

– Mas você deve compreender que é necessário que, ainda que por meio de uma ficção social, reduzamos a taxa dos juros, obtemperou o presidente da república ao presidente do banco central, que em seguida redarguiu:

–  senhor presidente, concordo, e digo mais, eu, como um legítimo anarquista, sou contra qualquer forma de ficção social, e sendo a taxa de juros uma ficção que a Natureza não criou, sou contra ela.

– mas se é assim, por que a não reduz?, perguntou o presidente da república.

– simples, porque está na minha lógica de anarquista o não poder destruir as ficções sociais, mas a de  me juntar a elas, que isso sim é a liberdade, de maneira que, mantendo a taxa de juros em um patamar estratosférico, estamos a trabalhar pela sociedade futura, na medida em que devemos deixamos a liberdade trabalhar contra seu principal inimigo que é o dinheiro. Assim, deixemos livre a taxa dos juros, conforme a liberdade do mercado a fixa.

O presidente da república somente se convenceu de quão racional era o raciocínio do presidente anarquista do banco central, quando dele ouviu a razão de que os anarquistas não podem criar uma nova tirania, e que a manutenção da taxa de juros no patamar em que estava não criava nenhuma nova tirania que já não existisse.

Para remate, utilizemo-nos aqui do genial FERNANDO PESSOA e de sua observação nesse maravilhoso conto: “A tirania é das ficções sociais e não dos homens que as encarnam; esses são, por assim dizer, os meios de que as ficções se servem para tiranizar, como a faca é o meio de que se pode servir o assassino. E você decerto não julga que abolindo as facas abole os assassinos … Olhe … Destrua você todos os capitalistas do mundo, mas sem destruir o capital … No dia seguinte o capital, já nas mãos de outros, continuará, por meio desses, a sua tirania. Destrua, não os capitalistas, mas o capital; quantos capitalistas ficam? … Vê? …”. 

Lembremos ao leitor, ainda uma vez, que se trata aqui de um diálogo de ficção, da mesma ficção social que constrói a taxa dos juros.

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