Estivesse MACHADO DE ASSIS vivo e a escrever suas habituais crônicas na coluna “A Semana”, publicada na Gazeta de Notícias entre abril de 1892 e 1897, e não lhe escaparia comentar por certo o resultado de uma interessante pesquisa acerca da vontade manifestada por setenta e nove por cento dos entrevistados em favor da democracia no Brasil, considerando-a como o melhor sistema de governo,  se comparada com a ditatura.

Os jornais, em tom festivo, afirmam que os números dessa pesquisa revelam ter sido identificado entre o público entrevistado o maior apoio à democracia desde 1989, não se sabendo bem a razão pela qual utilizaram esse ano como termo de comparação, talvez porque se tratasse do primeiro ano de aniversário de nossa querida Constituição de 1988.

E também não há informação precisa sobre o conteúdo das perguntas a que foram submetidos os entrevistados, de modo que não se sabe se a pergunta formulada foi genérica do tipo: “Você, caro entrevistado,  prefere a democracia à ditatura?”. Suponho que o entrevistado não terá retornado a pergunta ao entrevistado, obtemperando: “Mas de qual democracia você, caro entrevistador, está falando?”.  E nesse caso o entrevistador talvez ficasse com a mesma dúvida do entrevistado, sem poder saber bem do que estava a perguntar. Mas como o trabalho que lhe foi atribuído mediante paga  era simples e claro – “faça as perguntas” -, não lhe cabia senão fazer as perguntas tal como estavam escritas, e se algum entrevistado mais abusado resolvesse perguntar sobre  de que tipo de democracia estava a se falar, bom então nesse caso era necessário escolher outro entrevistado mais culto.

Pois sim, infelizmente há democracias e democracias, como há ditaduras e ditaduras, como há no mundo espécies mui diversas que, somente por uma questão de lógica, podem se reunir em um mesmo gênero. No caso da democracia,  não poderíamos negar que existe hoje na Itália uma democracia, como também existe uma na Alemanha e outra Estados Unidos, e não podemos dizer que em todos esses países adota-se um mesmo modelo de democracia, tão variadas são as coisas da política e do direito constitucional nesses países. E se perscrutássemos sobre a democracia na Argentina, no Chile e no Brasil, encontraríamos tantas diferenças que provavelmente ficaríamos em dúvida se estamos a falar da mesma coisa.

Que o leitor sinta-se confortado em saber que temos hoje uma grande massa que apoia a democracia, já é uma grande notícia com a qual ele, o leitor, pôde começar bem seu atribulado dia. Afinal, pensará ele que não é sempre, especialmente em tempos bicudos como estes,  que, ao percorrermos as páginas dos jornais, poderemos nos deparar com uma feliz notícia como essa. E o leitor poderia mesmo pensar como seria triste se os jornais dissessem que a ditadura venceu entre os entrevistados na pesquisa.

Mas descontadas as variações, que são muitas, no conceito da democracia, alegra-nos saber que os entrevistados estão a pensar em correspondência com o que estabelece a nossa Constituição de 1988, e já é um grande passo termos um texto constitucional afinado com o anseio do povo, se bem que poderíamos supor que o resultado, sobre ser previsível, a rigor não poderia mesmo ser outro, salvo se tivéssemos uma constituição que mandasse adotar um outro sistema de governo que não a democracia.

Não sei bem a razão, mas o resultado dessa pesquisa levou-me de JOAQUIM MARIA MACHADO DE ASSIS, com quem começamos,  a JOSÉ MARIA EÇA DE QUEIROZ e  a seu imortal Conselheiro Acácio, que sempre tinha na ponta da língua uma profunda resposta para qualquer pergunta que se lhe fizesse, ainda que versasse sobre questões filosóficas as mais intrincadas possíveis. Pois se ao Conselheiro Acácio perguntassem o que  pensava do resultado da pesquisa brasileira, ele diria, com a sua pompa habitual,  que o resultado é deveras alvissareiro …

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