Desde o filósofo ISAIAH BERLIN (1909-1997) sabem os juristas que, diante de um conflito entre valores jurídicos, não há outro meio de o solucionar senão que fazendo uso do princípio da proporcionalidade, com o que ficou bastante claro que, se em um processo judicial, dois ou mais direitos fundamentais estão a colidir, serão as circunstâncias do caso em concreto, submetidas a um juízo de ponderação (e, conforme o caso, a outras formas de controle enfeixadas no princípio da proporcionalidade), que decidirão a sorte do conflito.
É imanente ao juízo de ponderação, portanto, que se dê ao juiz a liberdade tanto no definir que circunstâncias de um caso em concreto deverá tomar em consideração, quanto no poder de as valorar livremente. Não há juízo de ponderação sem esse acentuado grau de liberdade. Por sinal, que está exatamente aí o que melhor diferencia um princípio jurídico (como o da proporcionalidade) de uma regra legal.
Como demonstra ROBERT ALEXY, os princípios jurídicos são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, segundo as possibilidades jurídicas e reais existentes, o que significa dizer que os princípios jurídico são “mandamentos de otimização”. Enquanto as regras legais são normas que podem ser cumpridas ou não, conforme o que dispuser o respectivo enunciado normativo. Destaca ALEXY que, se uma regra legal é válida, deve-se fazer exatamente aquilo que ela exige, nem mais, nem menos.
É por essa razão que os princípios jurídicos são normas para a elaboração das quais deve o Legislador adotar uma linguagem singela e aberta, flexível o suficiente para permitir ao juiz, examinando as circunstâncias da realidade material subjacente (compostas essas circunstâncias por seu enfoque fático e jurídico), pondere sobre o que, no caso em concreto, forma o conteúdo e o alcance de um determinado princípio jurídico, quando em colisão com outro princípio, em que a liberdade estará sempre presente.
Assim, quanto menos palavras o Legislador empregar na formação de um princípio jurídico, tanto melhor. A liberdade hermenêutica que forma a essência do juízo de ponderação, e que de resto o caracteriza, depende necessariamente do grau de abertura (ou mesmo do grau de imprecisão) na linguagem empregada no enunciado normativo do princípio jurídico, a ser necessariamente vaga, pois.
O que conduz à conclusão de que, em se tratando verdadeiramente de um princípio jurídico, não se pode restringir a liberdade de interpretação do juiz, como ocorre quando se lhe impõe diversas condições e requisitos para que possa aplicar um determinado princípio jurídico, no que está, por sinal, algo de ilógico. Com efeito, se um princípio jurídico é e deve ser um “mandamento de otimização” como destaca ALEXY, se a sua linguagem deve ser a mais aberta possível para que possa abarcar um amplo conjunto de situações, algumas das quais de todo imprevisíveis, se é assim, pois, mostra-se óbvio que, quando se restringe a liberdade de interpretação do juiz, impondo-lhe uma série de condições e requisitos, o que se tem não é um princípio jurídico, senão que uma regra legal.
E se há regra legal, e não um princípio jurídico, não há sentido em se falar em juízo de ponderação, cuja aplicação somente pode ocorrer quando se está no terreno do princípio jurídico da proporcionalidade, que, por sua vez, é a única forma de que pode o juiz se utilizar para a solução racional de conflitos entre valores.
Consideremos, a título de exemplo, o direito fundamental à saúde previsto no artigo 196 da Constituição de República e que forma, sem qualquer dúvida, um princípio jurídico. Pois bem, se esse direito fundamental, ou seja, se esse valor jurídico está a colidir em um caso em concreto em face da posição jurídica de uma operadora de plano de saúde, como usualmente ocorre quando a operadora nega cobertura contratual a um determinado procedimento de saúde, instalando-se aí um conflito entre esses dois valores jurídicos, é tão somente do princípio jurídico da proporcionalidade que o juiz deve se utilizar para, racionalmente, ponderando as circunstâncias do caso em concreto, decidir se prevalecerá a posição jurídica do paciente ou da operadora do plano de saúde. Destarte, deve-se deixar à liberdade do juiz, e de sua ponderação, a análise do caso em concreto, não se podendo limitar essa liberdade por meio de infindáveis condições e requisitos, que, a subsistirem, desnaturam o princípio da proporcionalidade, transformando em um juízo de mera legalidade.