A Psicanálise talvez ajude a compreender por qual razão o texto de uma norma legal é o fetiche dos juristas, os quais acreditam que, diante de uma norma legal, os juízes não podem senão que interpretar aquilo que a norma legal, ela própria, de antemão definiu. Dentre os juristas, é comum encontrar-se afirmações desse tipo: “uma constituição não foi escrita para ser reinventada por seus intérpretes”; “interpretar não é escolher sentidos conforme valores”; ou ainda, “a norma é um escudo contra os juízes”.
Segundo esse enraizado pensamento entre os juristas, e cuja origem remonta à Hermenêutica Iluminista, segundo a qual a compreensão de um texto se dá por si mesma, em que o papel do intérprete não é outro senão o de evitar mal-entendidos na interpretação, segundo, pois, o que pensam os juristas, o texto de uma normal legal é só por si, suficiente para impor ao juiz um determinado sentido ou valor, que o Legislador antes definiu, de maneira que a interpretação que o juiz realiza resume-se a encontrar esse valor, que está ali na norma, pronto para ser encontrado. A essa prosaica tarefa dá-se o nome de “Hermenêutica Jurídica”, e o qualificativo está aí certamente para dizer que todo o material produzido por DILTHEY, SCHLEIERMACHER e GADAMER no campo da Hermenêutica pode ser útil, mas apenas para o campo da Filosofia, e não para o Direito, que também não deve levar em conta os estudos da Semiologia, em especial os de ROLAND BARTHES, que demonstrou que, em qualquer escrita (e também na escrita jurídica) há uma busca por um sentido que o texto procura esconder.
Para os juristas e para a sua particular Hermenêutica, o juiz tem um único e inquebrantável compromisso com o texto da norma legal, sendo esse seu limite. O mote dos juristas é o seguinte: “a Constituição não é um poema”, e, se não é Literatura, não pode ser interpretada. As palavras de uma constituição têm um peso, suas disposições uma hierarquia, e sua função é a de restringir, não a de legitimar a interpretação de valores para além do que o texto estabelece, como ocorreu à época da entrada em vigor do Código Civil francês de 1806, quando a principal regra de interpretação era a de que, diante de uma norma legal clara, o juiz não pode interpretar.
Nada mais cômodo para quem está no poder e não quer ser incomodado, sobretudo pelos juízes, que, interpretando, podem produzir mal-entendidos, entendendo-se como tal tudo aquilo que pode confrontar o poder estabelecido. Os juízes não devem pensar, e não se devem pensar, não podem compreender. O texto da norma legal já compreendeu o que havia para ser compreendido.
Ao juiz, bom ao juiz resta o papel de, solenemente, cumprir o juramento de fidelidade ao texto da norma legal, e, se jurou obediência, não pode querer pensar. E por qual razão deveria o juiz pensar, se o Legislador já pensou por ele.