Insistem alguns, e não são poucos, na tese de que o fenômeno percebido por MARX, o da luta entre classes, terá de há muito desaparecido, porque a sociedade mudou, está tão pulverizada em interesses os mais variados, dentre os quais os econômicos, que não há mais classes, senão que indivíduos, e que são estes que estão a lutar entre si, e ainda no bojo dessa mudança, que não há mais se falar em “ideologia”, não ao menos nos moldes em que MARX a descreveu, e que GEORG LUKÀCS, em sua preciosa obra “História e Consciência de Classe” tornou mais acessível à nossa compreensão. Mas a realidade, sempre a realidade, mostra que a verdade está ainda com MARX.
Basta que nos ocupemos, com certa atenção, aos fatos ocorridos ontem no Brasil, coincidentemente tornados simultâneos, para que constatemos que o fenômeno da luta entre classes continua a existir, senão que agora com mais intensidade do que nunca, e que a ideologia é algo imanente ao ser humano, ligada como está em sua base a interesses do mais variado gênero, o que é tão próprio ao ser humano como o fenômeno da “objetivação”, que MARX, também ele, bem descreveu.
Ontem, tivemos a suspensão, por um quase inédito decreto legislativo, de atos normativos emanados do Poder Executivo Federal que haviam feito aumentar um determinado tributo (o “IOF – Imposto sobre Operações Financeiras). Quase que ao mesmo tempo, o Tribunal de Contas de um importante Estado brasileiro, ao glosar parte das contas do governo estadual, afirmava não possuir dados suficientes para aferir a extensão das isenções fiscais, concedidas em um nível que supera as receitas tributárias, beneficiando assim importantes grupos econômicos. E para terminar o dia de ontem, o Congresso Nacional, sob o argumento de que a representatividade entre os Estados-membros o estava a exigir acabou por aumentando o número de deputados federais, criando consideráveis despesas.
No bojo desses três fatos, que em aparência são isolados, mas que em essência não o são, percebe-se claramente a luta entre classes: de um lado, a classe formada por grupos econômicos poderosíssimos, que, fazendo pressão junto ao Congresso Nacional, conseguem benefícios, como o de se livrarem do aumento de impostos, e de outro o grupo dos assalariados, formando a classe sobre a qual se aplicará a reforma tributária, com a majoração de diversos tributos.
E onde encontrar a ideologia? Simples: ela está em todo o lugar, seja no Congresso Nacional, seja nos empresários, seja no integrante de cada Poder, porque atrás de cada interesse está a ideologia, que nada mais é do que a fonte desse mesmo interesse. A propósito, podemos hoje melhor identificar esses interesses, associados à sua respectiva ideologia, graças às redes sociais, que fazem o papel que os meios tradicionais de comunicação (emissoras de televisão, jornais, rádios) nunca quiseram fazer, exatamente por causa de seus interesses e da ideologia por trás deles. (Aliás, dizer-se que os provedores de Internet possuem ideologia e que em nome dela é que defendem a não regulamentação das redes sociais no Brasil é reconhecer uma verdade, tão quanto verdade era a de que os meios tradicionais de comunicação também têm seus interesses e sua ideologia.)
O que a liberdade de expressão, hoje em vigor no Brasil, concede-nos é um histórico ambiente em que as contradições, envolvidas nas lutas entre classes, tornam-se reais e visíveis, a demonstrar que o fenômeno da luta de classes está cada vez mais vivo, formando a essência da natureza humana, e que o método dialético descrito por HEGEL e de que MARX fez engenhoso uso, abre o caminho para a superação dessas contradições.