Em virtude da entrada em vigor da Lei federal 14.879/2024, que modifica o parágrafo 1o. do artigo 63 do CPC/2015, além de lhe introduzir um parágrafo, reproduzo aqui os comentários ao referido artigo 63, com as mudanças acarretadas pela novel Lei.

“Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.

§ 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor.

§ 2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.
§ 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.

§ 4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão.

§5o. O ajuizamento da ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação da competência de ofício”.

Comentário: no sistema do nosso Código de Processo Civil de 2015, tal como sucedia no código anterior, é relativa a competência quando fixada com base nos critérios do território e do valor da causa, o que significa dizer que nessas hipóteses a competência pode ser modificada ou ampliada. Modificada quando o juiz, segundo os critérios legais, não teria competência para a ação, mas passa a ser competente porque as partes terão optado por não seguirem esses critérios, para escolherem um outro foro, definindo-o como competente. Ou quando o réu, citado, não arguiu a incompetência, caso em que o juiz passa a ser o competente para a ação.

A ampliação da competência dá-se quando um juiz é competente apenas para uma das ações, e passa a abarcar em sua competência uma ação distribuída a outro juízo, como ocorre nos casos de conexão ou continência, segundo vimos ao tratar desses institutos (artigos 55-56 do CPC-2015).

ELEIÇÃO DE FORO: o CPC/2015 contempla uma norma dispositiva, ao conceder às partes o direito de escolherem o foro competente, desde que essa escolha tenha sido materializada em um instrumento escrito (não necessariamente um contrato), e que a escolha do foro aluda expressamente a determinado negócio jurídico. Se a escolha do foro caracterizar-se-á como abusiva, conforme constate o juiz de ofício ou quando provocado pelo réu, a cláusula será invalidada, tornando-se assim ineficaz, o que conduz a que devam  prevalecer as regras de competência do CPC/2015. Importante observar que como o CPC/2015 não fala em “contrato de adesão”, como ocorria no CPC/1973 (artigo 112, parágrafo único), a abusividade da cláusula de foro de eleição pode caracterizar-se não apenas nesse tipo de contrato, mas em qualquer contrato. O juiz, contudo, deve agir com prudência ao analisar a matéria, sobretudo quando não tenha havido ainda a citação, porque se há presumir que a cláusula terá sido firmada com a anuência das partes contratantes, e em havendo dúvida (ou seja, quando a abusividade não for patente),  o juiz deverá deslocar o exame da matéria para que tenha lugar após a contestação, seja em obediência ao contraditório, seja pela presunção de legalidade da cláusula. A propósito, diante do que prevê o artigo 9o. do CPC/2015 (“Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”), identifica-se um evidente conflito entre essa norma geral e a do artigo 63, parágrafo 3o., a tornar necessária a ponderação entre os interesses em conflito (aplicação do princípio da proporcionalidade), com a análise das circunstâncias do caso em concreto, devendo o juiz ponderar que, a rigor, é mais gravoso desconsiderar a cláusula de eleição de foro do que a observar.  O autor não pode alegar a abusividade da cláusula, na medida em que dela se utiliza quando promove a ação perante o foro escolhido no contrato. Mas há que se ressalvar a importante mudança provocada pelos parágrafos 1o. e 5o. do artigo 63, com a redação dada pela novel lei 14.879/2024.

JUÍZO ALEATÓRIO: essa expressão surge agora no contexto das mudanças trazidas por essa referida Lei, ao ampliar o poder do juiz para, de ofício, determinar prevaleça a competência do foro do domicílio ou da residência das partes, ou do foro do local a que se refira o negócio jurídico discutido na demanda,  o que é de se aplicar também na hipótese de eleição de foro, salvo quando a relação jurídico-material se qualificar como de consumo, hipótese em que o juiz deve analisar se a eleição do foro atende ao interesse do consumidor, quando autor da ação, mantendo nesse caso o foro escolhido, malgrado se possa dizer aleatória essa escolha. O Legislador fez aplicar princípio da proporcionalidade, buscando equilibrar as posições processuais, quando se trata de uma relação de consumo, em que é comum que o consumidor esteja em uma posição processual desvantajosa.

FORO X JUÍZO: as partes podem modificar a competência de foro, mas não a de juízo. De modo que podem, em um contrato, fixar como foro competente determinada comarca ou seção judiciária, mas não podem interferir na competência de juízo, que é uma competência absoluta, dado que fixada por lei. Assim, por exemplo, as partes podem, em um contrato, ajustar que eventual demanda que verse sobre o objeto contratado deva ser ajuizada no foro da cidade de São Paulo, mas não podem ajustar quanto ao juízo competente, não podendo fixar que uma determinada vara seja a competente para conhecer da ação.

HERDEIROS E SUCESSORES: o parágrafo 2o. do artigo 63 estatui que a cláusula de eleição de foro vincula os herdeiros e sucessores, e isso se aplica também no caso de sucessão da parte no processo (CPC/2015, artigo 110). Assim, em ocorrendo a morte do contratante, seus herdeiros e sucessores devem observar a cláusula de eleição de foro ao ajuizarem a ação, e se o autor ou réu falece no curso da ação e são sucedidos no processo, seus sucessores devem observar  a cláusula de eleição de foro.

INCOMPETÊNCIA RELATIVA: a incompetência relativa não é mais objeto de exceção conforme ocorria no sistema do CPC/1973, porque o artigo 64 do CPC/2015 determina que o réu alegue a incompetência relativa (e também a absoluta) como questão preliminar em contestação.

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