O fato talvez possa ser explicado  por não contarmos mais com jornalistas dotados da argucia e experiência de um CARLOS CHAGAS, que, com suas grandes reportagens, transformadas depois em livros, permitiu-nos conhecer de perto, e com emblemáticos detalhes, importantes episódios de nossa sempre instável vida política, em especial do episódio que ainda hoje nos marca sensivelmente, o golpe militar de 1964,  objeto de um esmiuçado livro, “A Ditadura Militar e os Golpes dentro do Golpe – 1964/1969”, que CARLOS CHAGAS lançou em 2014. Seja pela ausência de jornalistas com essa qualidade, seja porque os jornais, eles próprios, tornaram-se praticamente irrelevantes no
Brasil (mas que não substituídos por outro confiável meio de comunicação),  não podemos mais saber, com um razoável grau de segurança, o que efetivamente ocorre em nosso país. Perdemos assim a fonte de conhecimento mais cristalina, como observa CHAGAS no referido livro: “É implacável o papel da imprensa na história. Tratando-se da fonte primária dos acontecimentos, registra os fatos sem que seus personagens tenham ainda oportunidade de retocá-los conforme seus interesses, nos livros de memórias, ou na voz de seus simpatizantes, nas biografias”.

Mudou-se, pois, o cenário. Hoje não é mais a imprensa que nos releva, em primeira mão, os fatos de nossa vida pública. É o processo judicial que na atualidade executa esse papel, como está a ocorrer com o ainda nebuloso episódio que envolve um suposto golpe que teria sido engendrado no final do governo BOLSONARO. Todos os detalhes que o envolvem  estão a ser contados diretamente no processo judicial que o STF instaurou a partir do malfadado dia 8 de janeiro de 2023. A imprensa, que antes investigava e que não raramente obtinha  um quadro bastante próximo da realidade, levando-o ao conhecimento da opinião pública, o que lhe era possível alcançar pelo acesso de que dispunham os jornalistas de variadas fontes, hoje foi substituída pelo processo judicial.

É diretamente pelo processo judicial que estamos a saber como o golpe teria sido engendrado, quais as autoridades que dele teriam participado, e que papeis cada qual executou, ou estaria a executar. Não temos, entretanto, um contraponto, que o papel que era brilhantemente exercido por jornalistas de escol, como CARLOS CHAGAS, que, incansavelmente, buscavam obter a realidade mais verdadeira, para além de uma realidade puramente formal. O processo judicial vinha depois, contando sua história, e a opinião pública podia então confrontar o que era contado no processo judicial com aquilo que a imprensa, em primeira mão, havia descoberto e narrado a seus leitores, como ocorreu, por exemplo, com o episódio da cassação de JUSCELINO KUBISTSCHEK, narrado com preciosos detalhes por CARLOS CHAGAS em seu livro, descortinando a verdade de que não havia nada de concreto contra o ex-presidente, senão que apenas o medo dos militares de que ele, em se candidatando, pudesse retornar à presidência, o que fatalmente ocorreria tivessem as eleições presidenciais sido realizadas como os militares haviam solenemente prometido em 1964, em especial pela voz e palavra do presidente militar CASTELO BRANCO.

Sem o acesso a essas grandes reportagens, perde a opinião pública, porque o processo judicial, por suas imanentes características, não pode substituir o papel que os jornais executavam.

 

 

 

 

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