Andando o tempo, é natural que as coisas tenham mudado e, por isso, falar-se hoje nas tradicionais famílias “quatrocentonas” da cidade de  São Paulo parece não fazer sentido, tantas  foram as mudanças que envolveram as riquezas, trocadas de mãos várias vezes. Mas muito de uma feição conservadora ainda permanece nesta cidade, e isso se revela com maior nitidez no campo do Direito.

Não à toa, portanto, as posições jurídicas mais conservadoras mantêm em São Paulo ainda muito de sua força, o que explica que correntes que defendem uma visão mais aberta do Direito sofram aqui uma resistência muito grande, o que explica que teses jurídicas inovadoras, fundadas na visão de um Direito com um papel mais ativo na sociedade, quando são acolhidas pelos operadores do Direito em São Paulo é porque de há muito deixaram de ser inovadoras.

Para bem compreender qual a raiz desse conservadorismo paulistano, com laços que se mantêm vivos especialmente no campo do Direito, basta que o leitor percorra as páginas do  livro de saborosa leitura escrito pelo jornalista JOEL SILVEIRA, falecido em 2007, que tem o título “A milésima segunda noite da avenida Paulista”, formado por uma série de textos nascidos de uma matéria que JOEL escrevera em 1943.

JOEL conta no livro bastidores da vida de então da  “grã-finagem” da cidade de São Paulo, com seus personagens, revelando um painel variado, embora com certa unidade de visão de mundo, o que, aliás, JOEL capta com arguto sentido.

Dentre os textos que o leitor vai encontrar nesse livro, destaco o que tem o título “Literatos da ‘Finesse”, em que JOEL destaca os “intelectuais” da cidade de São Paulo, muitos dos quais “juristas”:

O grã-finismo também tem os seus ‘intelectuais’, os seus literatos. Para qualquer grã-fino paulista, por exemplo, o maior escritor de São Paulo é o sr. René Thiollier. René Thiollier já é um cidadão bastante velho. Mas continua rico e elegante. Sua residência é muito famosa: chama-se Vila Fortunata e possui, entre outras surpresas, uma torre fina como um minarete. É lá em cima da torre, num pequeno gabinete, que Thiollier faz sua literatura, uma mistura de versos acomodados e ensaios históricos sem grandes ousadias. Um dos cargos de René: o de secretário perpétuo da Academia Paulista de Letras. 

(…)

Figura ímpar na elegância dourada de Piratininga é o dr. Roberto Simonsen, proprietário de algumas da mais robustas cifras nacionais. Nas horas vagas, o sr. Simonsen escreve livros, artigos e discursos sobre a ‘promissora situação financeira do Brasil’, da qual ele é um dos sustentáculos. O sr. Simonsen é também conhecido e admirado pelo seu amor ao vernáculo. Seus discursos e livros são primores de correção gramatical. É verdade que o milionário Simonsen, tão cheio de afazeres lucrativos, não tem tempo para perder com as vírgulas e pronomes. Simonsen possui um gramático especial e particular, o sr. Marques da Cruz, que recebe mensalmente um ordenado convidativo apenas para pôr em alto estilo as considerações do seu patrão e espartilhar nas leis de Cândido de Figueiredo possíveis liberalidades linguísticas do financista.”. 

E por aí segue o deleitoso texto de JOEL SILVEIRA, que, a propósito, passou a ser chamado de “Víbora” por ASSIS CHATEAUBRIAND  depois que escrevera sobre os grã-finos de São Paulo  em 1943.

 

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