Com a pandemia, descobriu-se que, em muitas atividades, o trabalho remoto (o chamado “home office”) pode substituir, com imensas vantagens, o trabalho presencial. Dois exemplos são significativos: a telemedicina e as atividades forenses.
Mas como ocorre na vida em geral, nem tudo se pode adaptar, porque em certos casos um modelo implica em perdas muito maiores do que os ganhos. É o que ocorre no caso do processo legislativo, quando se adota o trabalho remoto.
Constata-se, com efeito, que matérias acentuadamente polêmicas, que estavam a aguardar nos escaninhos do Congresso Nacional e em muitas casas legislativas brasileiras, de inopino transformaram-se em lei, aprovadas durante o período da pandemia (período sob o qual ainda vivemos). Veja o leitor, a título de exemplo, o caso de mudanças importantes na lei de improbidade administrativa, já aprovadas no Congresso Nacional. E considere também o que está a ocorrer com a reforma tributária, da qual sabemos apenas que se a discute no Congresso Nacional, mas sem que possamos acompanhar de perto o que ali se vota. Os jornais também são pegos de surpresa, e lhes cabe apenas noticiar que a lei foi aprovada.
Esse quadro, que é contrário à ideia de Democracia, tem causa direta no trabalho remoto que tem sido adotado no Congresso Nacional e em diversas casas legislativas. Se noutras atividades o trabalho remoto mostra-se útil e eficiente, no caso do processo legislativo seus problemas sobre-excedem as suas vantagens, e por isso não pode ser tolerado. As sessões legislativas devem exigir o trabalho presencial e quanto mais importante for a matéria discutida, maior deve ser a publicidade e o acesso da população à essa discussão, o que não tem ocorrido exatamente em razão do trabalho remoto aplicado ao processo legislativo. As sessões não são presenciais, ou quando são, não permitem o acesso do público à casa legislativa, o que evidentemente conflita com o valor maior, que é o valor da Democracia, em cujo conceito está precisamente uma ativa participação popular.
Estamos a viver, ao que parece, o final da pandemia. Várias atividades puderam retomar o trabalho presencial. Que assim também ocorra com o processo legislativo, do qual possa a população participar ativamente, sem que exista qualquer obstáculo ou impedimento a isso. E se razões de saúde pública impõem ou justificam algum obstáculo ou impedimento, melhor que se adie a discussão daquelas matérias mais importantes, até que se tenha uma condição sanitária que permita o acesso do público à casa legislativa. A Democracia o exige.
Em tempo: os jornais noticiam que o Congresso Nacional iniciou estudos para discutir a legalização dos jogos e cassinos no país, tema altamente polêmico e que comprova quão prejudicial à Democracia é tolerar o processo legislativo sob o formato virtual.