– Fostes ao congresso jurídico que, proficuamente, realizou-se em plagas argentinas?, assim, com pompa, perguntava um desembargador a seu colega durante o intervalo de um julgamento. Aliás, essa era a pergunta mais ouvida nos salões do tribunal e se referia a um maiúsculo evento jurídico que acontecera por aqueles dias em um país vizinho e para o qual haviam sido convidados os juristas mais importantes do país, verdadeiras autoridades em todos os campos do direito. E, de fato, o público, ávido por saber para onde o direito brasileiro ia, compareceu em peso, assim como a imprensa, que cuidou relatar, com extrema minúcia, quais autoridades que ali haviam estado e sobre que temas haviam discursado. E as revistas jurídicas também haviam enviado seus correspondentes com a missão de reproduzirem literalmente o pensamento dos palestrantes.
Perplexo diante da resposta negativa de seu interlocutor, o desembargador não sabia o que dizer, porque tinha a certeza de que era impossível que alguém do mundo jurídico não tivesse comparecido a um evento daquela magnitude. E mais perplexo ainda ficou o desembargador quando seu interlocutor lhe indagou do que de principal ali havia sido debatido, tantas tinham sido as eminências presentes ao congresso.
O desembargador tentou se lembrar do que fora falado no congresso, mas em vão. Lembrava-se apenas de que um ministro de uma alta corte discursara e enfatizara a importância do direito brasileiro no mundo. Mas do que o desembargador mais se lembrava era de como os estrangeiros se mostravam surpresos, indagando acerca de quem havia tido aquela genial ideia de realizar um congresso do direito brasileiro fora do país, e de como os brasileiros acorriam a esses eventos, mostrando um interesse que não era comum. Com efeito, muitos estrangeiros com os quais o desembargador conversara durante a sua breve permanência no país vizinho mostravam essa mesma curiosidade.
O desembargador havia então se dado conta de que não se lembrava de nenhum tema jurídico concreto de que se tivesse falado no congresso jurídico. O desembargador conversara com inúmeras autoridades, inclusive alguns palestrantes, e até mesmo com o organizador do evento, mas lhe era de todo impossível se recordar de qualquer tema jurídico. Mas para dissipar qualquer dúvida em seu interlocutor, que poderia desconfiar de que ele não havia assistido às palestras, o desembargador tratou de inventar, dizendo que havia gostado preferentemente de uma palestra em que se falou da influência de KANT na construção do direito brasileiro, e de uma outra, em que o palestrante falara por várias horas sobre a relação entre o “Dasein” de HEIDEGGER e as tutelas de emergência no direito processual civil brasileiro, demostrando o emérito palestrante como o código processo civil brasileiro era o mais filosófico dentre todos os códigos dos países civilizados. O desembargador ainda acrescentou que, depois daquele congresso, sua concepção jurídica havia se modificado profundamente.
Maravilhado diante de temas tão profundos, o interlocutor tratou de penitenciar-se, garantindo ao desembargador que seria dos primeiros a inscrever-se para o próximo congresso jurídico, tão logo ele fosse agendado. E como é usual ocorrer com quem mente, o desembargador, para fazer ainda mais crível a sua história, disse que soubera que, no próximo congresso, discutir-se-ia sobre como o direito brasileiro havia influenciado SAVIGNY e IHERING na elaboração da teoria da posse, e que nenhum civilista brasileiro poderia deixar de conhecer essa influência, sublinhou o desembargador que, para evidenciar seu orgulho, disse que já havia pensado nesse tema e que poderia, quem sabe, ser um dos próximos palestrantes.