Quem estiver razoavelmente familiarizado com a história do processo civil, lembrará que houve um tempo em que o processo civil, em proteção à sua autonomia científica, defendia uma total separação com tudo aquilo que fosse próprio ao direito material, sobretudo do direito civil. À época, propugnavam os processualistas que, à exceção da lide, esta sim do direito material, tudo o mais que envolvesse o processo civil deveria dizer respeito apenas a ele próprio. Era a fase “autonomista” do processo civil.
Mas não tardou aos processualistas perceberem o exagero daquela posição, porque a autonomia de uma ciência está diretamente relacionada à forma como essa mesma ciência consegue lidar com a relação que mantém com outras ciências, o que no caso do processo civil significava reconhecer a sua necessária relação com o direito material. Evoluiu-se assim à fase da “instrumentalidade”, em que se alcançava a compreensão da verdadeira natureza do processo civil e de sua finalidade como instrumento de implementação dos direitos materiais, instaurando-se a partir dali uma saudável convivência do processo civil com o direito material.
Mas, atingida essa compreensão, poder-se-ia avançar ainda mais, sobretudo no campo dos danos que o processo civil, ele próprio, produz, e isso não aconteceu. No Brasil, a jurisprudência ainda resiste à ideia de que o autor que vence uma demanda possui o direito a ver recompostos todos os prejuízos que terá suportado, incluindo-se aqueles que o processo civil, ele próprio, produziu. Prejuízos que, conquanto surgidos no processo civil, ou antes dele, mas que têm relação direta com o processo civil, devem ser considerados no plano da reparação civil.
Suponha-se que o autor, buscando aparelhar melhor a sua pretensão em juízo, tenha contratado um profissional a quem confie a elaboração de um laudo particular, ou que tenha contratado um jurista, encomendando-lhe um parecer. Tudo isso antes do processo, mas com o evidente objetivo de melhor instruir a sua pretensão de direito material. Evidentemente que o autor terá suportado gastos com essas providências. A questão que então surge é saber se a recomposição de tais gastos podem ser objeto de pedido no processo, e em caso positivo, como se os deveria qualificar em termos de natureza jurídica, se a título de perdas e danos conforme o instituto está previsto no Código Civil, ou se danos processuais.
O processualista italiano ÍTALO ANDOLINA já havia tratado dos danos que o processo civil produz. Mas ele estava a se referir àqueles de “indução”, ou seja, os que têm origem exclusiva no processo e que são gerados por este, como se dá, por exemplo, no tempo em que subsiste uma medida liminar, depois revogada, e dos prejuízos que a parte terá suportado em virtude de ter sido obrigada a cumprir essa medida liminar. Mas os danos a que nos referimos aqui não são dessa ordem.
Referem-se, como dito, àqueles que devem ser considerados no campo da relação material, abrangendo o conceito geral de “indenização”, que, como observa PONTES DE MIRANDA, “é o que se há de prestar para se pôr a pessoa na mesma situação patrimonial, ou, por incremento do patrimônio, no mesmo estado pessoal em que estaria se não se houvesse produzido o fato ilícito (lato sensu) de que se irradiou o dever de indenizar”. (“Tratado de Direito Privado”, tomo XXII, p. 183, RT, 1984).
São danos que se ajustam à perfeição ao que prevê o artigo 402 do Código Civil, e que assim devem ser recompostos no processo civil. Lembremos da lição de CHIOVENDA, no sentido de que o processo deve dar a quem o vence tudo aquilo a que ele teria direito, não fosse necessário o processo civil. Isso deve abarcar, pois, tudo o que tenha uma relação de causalidade com o objeto da lide, abarcando, assim, tudo o que tiver sido despendido pelo autor com o processo civil, desde que exista essa relação de causalidade. No exemplo mencionado, o de o autor que contrata um perito ou um jurista, não há dúvida de que existe essa relação de causalidade, considerando o que forma a lide, e, assim, os prejuízos que o autor terá gasto com essas providências podem ser objeto de pedido de reparação no processo civil a título de perdas e danos.