Durante a longa vigência do CPC/1973, havíamos conquistado um regime quase perfeito quanto a impedimentos e suspeições de juízes/desembargadores/ministros. Bastava uma simples alusão a qualquer vínculo que existisse, ou que poderia existir, e havia razão suficiente para que fosse reconhecida a suspeição ou o impedimento do magistrado. E quando o próprio magistrado não reconhecia o óbice, o tribunal o fazia. Chegávamos ali a um mundo quase perfeito. Ansiava-se que o CPC/2015 ao menos mantivesse esse conjunto de regras acerca da suspeição e impedimento de magistrados, senão que o tornasse ainda mais rigoroso, como aconteceu. Com efeito, as regras do CPC/2015 ampliaram algumas hipóteses, o que parecia tornar ainda mais eficiente o regime de proteção à garantia a um processo justo, que passa necessariamente pela total isenção do magistrado diante do caso que julgará.
Mas ocorreu um fenômeno de todo inesperado. Um fenômeno que não se pode dizer exclusivamente jurídico, conquanto subjacente a ele esteja a interpretação jurídica. Com efeito, muito embora o CPC/2015 tivesse ampliado as hipóteses de suspeição e impedimento de magistrados, o que se vê na prática hoje é o total enfraquecimento do regime previsto no CPC/2015. Familiares de magistrados criaram escritórios e advogam em processos que depois são julgados por seu familiar. Esposas e filhos formam esses pequenos escritórios em termos de estrutura, mas que rapidamente conseguem clientes de grande potencial econômico e que litigam em processos judiciais nos quais se discutem valores astronômicos. Congressos “jurídicos” são patrocinados por empresas que têm seus processos julgados por magistrados que palestram nesses eventos. Magistrados viajam em companhia de advogados, cujos clientes são julgados por esses mesmos magistrados.
Mas o que ocorreu, se temos agora, no CPC/2015, regras de suspeição e de impedimento ainda mais rigorosas do que tínhamos ao tempo de vigência do CPC/1973? Simples, mas complicado. O que se modificou foi a interpretação daquilo que forma o perigoso vínculo entre magistrados, advogados e litigantes. O afrouxamento está exatamente aí, na interpretação. Mas é ainda de origem mais profunda: está na compreensão daquilo que se exige como um dos maiores predicados do magistrado, que é a absoluta isenção em face do que lhe toca julgar.