Conquanto tenha algumas de suas obras já traduzidas à Língua Portuguesa, CLAUDE LEFORT, historiador de ideias e filósofo (1924-2010), não é muito conhecido entre nós. Mas uma peculiar ideia de LEFORT sobre o que é a Democracia é-nos muito útil neste momento, em que está lançado um conflito entre pobres e ricos no bojo daquilo que se discute como sendo o norte a ser dado à reforma tributária.
LEFORT, em sua obra “Elementos para uma crítica da burocracia”, que é de 1971, define “Democracia” como sendo o único instrumento de poder pelo qual a heterogeneidade dos valores pode existir de verdade, o que significa dizer que é apenas pela Democracia que os conflitos podem ser resolvidos pela razão, ou pela justiça, conforme a possibilidade de se dar nomes diversos à mesma coisa. E LEFORT acrescenta que a Democracia, lidando com os vários valores envolvidos em conflitos, converte esses mesmos conflitos em uma fonte de desenvolvimento da própria Democracia, o que significa dizer que a Democracia é alimentada precisamente pors conflitos entre valores.
Não está aqui em questão se LEFORT estava a considerar a Democracia sob seu viés exclusivamente jurídico, ou seja, como um meio racional de solução dos conflitos entre os valores envolvidos, ou se ele pensava a Democracia sob uma compósita perspectiva, em que a política, a economia e o direito devam ser utilizados na busca da solução mais racional em face de conflitos derivados da heterogeneidade dos valores. Mas o que nos interessa aqui é considerar a ideia de LEFORT, no sentido de que a Democracia deve ser suficientemente forte para conseguir lidar com os diversos valores em conflito, sem o que não há Democracia.
Pois que vem em oportunidade a mais adequada possível o conflito entre pobres e riscos no contexto daquilo que estrutura a reforma tributária, tratada até aqui como um tema puramente técnico, como é comum dizerem muitos tributaristas, congressistas e a elite econômica. Agora, embora por uma enviesada forma, tomou conhecimento a opinião pública de que participa de uma luta entre classes diretamente envolvidas na reforma tributária, em que os ricos preferem não ser tributados para além daquilo que já suportam, e que a existir a necessidade do aumento das receitas tributárias, que esse fardo fique com o resto da sociedade, ou seja, com os pobres. Não se trata, portanto, de um tema técnico, senão que essencialmente político.
E como observou LEFORT, se há valores em conflito, tanto melhor para a Democracia. De resto, a nossa Constituição de 1988 está preparada para esse desafio.