Reproduzimos aqui declaração de voto apresentada em interessante caso, no qual se discute acerca do direito de preferência no regime jurídico da alienação fiduciária, em que a questão principal diz respeito a quem pode exercer esse direito potestativo – o direito de preferência: se apenas o devedor fiduciário ou sua companheira.

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

EMENTA:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. IMÓVEL SUBMETIDO A REGIME DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRETENSÃO DA AUTORA A QUE SE LHE RECONHEÇA O DIREITO DE PREFERÊNCIA E, ASSIM, O DIREITO DE CONSIGNAR O VALOR DO DÉBITO ENVOLVENDO O IMÓVEL EM QUESTÃO, E QUE ESSA CONSIGNAÇÃO FAÇA PRODUZIR EFEITOS PRÓPRIO À PURGAÇÃO DA MORA, COM A CONSEQUENTE QUITAÇÃO. SENTENÇA QUE DESACOLHEU O PEDIDO.

INSUBSISTENTE O APELO DA AUTORA. COMPROVAÇÃO DA MORA, CUJOS EFEITOS ATINGIRAM A ESFERA JURÍDICA DA AUTORA, QUE, EM TEMPO OPORTUNO, NÃO CUIDOU PURGÁ-LA. DIREITO DE PREFERÊNCIA, PREVISTO PELA LEI FEDERAL 13.465/2017, QUE É RECONHECIDO APENAS EM FAVOR DO ADQUIRENTE DO IMÓVEL, NÃO ASSIM EM FAVOR DA AUTORA, QUE NÃO FIGURA COMO CONTRATANTE.

PROVIMENTO JURISDICIONAL QUE, NO ÂMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA, NÃO FEZ ATRIBUIR À AUTORA A CONDIÇÃO DE DEVEDORA FIDUCIÁRIA, E DE RESTO NÃO PODERIA MESMO FAZER SURGIR ESSA CONDIÇÃO JURÍDICA, SEM AFETAR SIGNIFICATIVAMENTE A ESFERA JURÍDICA DE TERCEIRO NAQUELE PROCESSO, COMO É A CONDIÇÃO DO CREDOR FIDUCIÁRIO.

 SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, COM A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO, OBSERVADA A GRATUIDADE.

 

RELATÓRIO:

Em apertada síntese, trata-se de ação de consignação em pagamento cumulada com pedido de tutela antecipada de urgência e evidência para cancelamento e sustação de leilão, a qual fundamenta-se na regularidade do procedimento de consolidação da propriedade e do leilão extrajudicial, afastando a alegação da apelante de que houve violação ao seu direito de preferência. O juízo de primeiro grau reconheceu que a alienação fiduciária seguiu os trâmites legais previstos na Lei 9.514/97, destacando que a apelante foi constituída em mora, não purgou a dívida no prazo legal e, portanto, perdeu a possibilidade de impedir a consolidação da propriedade em nome da credora fiduciária.

Além disso, a sentença reforça que a purga da mora e o direito de preferência não se confundem, de modo que, uma vez consolidada a propriedade, a apelante não poderia mais quitar a dívida para reverter o procedimento. O juízo também destacou que, segundo os documentos juntados, a apelante teve ciência inequívoca da execução extrajudicial e do leilão, sendo devidamente notificada.

Por fim, com base nesses fundamentos, a sentença julgou improcedente o pedido da autora, revogando a tutela anteriormente concedida que suspendia a arrematação e determinando a extinção do processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Recurso tempestivo, dispensado do preparo – em razão da gratuidade da justiça.

Recurso dotado de efeito suspensivo, de maneira que se obstou ocorresse a desocupação coercitiva do imóvel (cf. folhas 828/838).

Contrarrazões foram apresentadas às fls. 844/871.

 

FUNDAMENTAÇÃO:

Com o respeito que é deveras merecido ao entendimento formado pela maioria da douta turma julgadora, pelo meu voto nega-se provimento a este recurso de apelação, de maneira que o efeito suspensivo de que fora dotado esse recurso tenha sua eficácia imediatamente cessada.

Correta a perspectiva de análise do juízo de origem, ao estabelecer importante distinção entre o direito à purgação de mora e o direito de preferência, sendo este de titularidade exclusiva do devedor fiduciário, enquanto aquele direito – o da purgação da mora – pode ser exercido por terceiro.

O direito de preferência, previsto na Lei federal 13.465/2017 constitui um direito potestativo que, como tal, é da titularidade exclusiva do devedor fiduciário, o que, aplicado no caso em questão, conduz a reconhecer que a autora não possui esse direito, o qual não surgiu em virtude do que decidido no âmbito das relações familiares e do que acerca delas estabeleceu provimento jurisdicional em ação de dissolução de união estável. E de resto não poderia mesmo aquele provimento jurisdicional modificar a relação contratual, afetando quem não era parte naquele processo.

Quanto à purgação da mora, convém registrar que a autora fora notificada e tivera a ocasião própria a que a pudesse purgá-la, mas do que não se desincumbiu.

Restaria assim o direito à preferência, que, contudo, era da titularidade exclusiva do devedor fiduciário, e não da autora. E esse direito potestativo, como não foi exercido por seu legítimo titular, não  o poderia ser por terceiro, que é essa a condição jurídica que a autora ocupa diante desse específico direito.

Por meu voto, pois, “concessa venia” ao entendimento formado pela maioria da douta turma julgadora, nega-se provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, mantida a r. sentença, com o registro de que o efeito suspensivo de que havia sido dotado o apelo, esse efeito tem sua eficácia imediatamente cessada.

Adota-se o regime de encargos de sucumbência, tal como previsto na r. sentença. E fazendo aqui aplicada a regra do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, majoram-se os honorários de advogado, que passam a ser de R$1.200,00 (um mil e duzentos reais), com atualização monetária desde a r. sentença. Observe-se que a autora é beneficiária da gratuidade.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

RELATOR SORTEADO

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