O nosso habitual leitor sabe das vezes em que aqui, neste espaço, cuidamos observar quão incipiente é ainda a nossa jurisprudência quando se trata de realizar a ponderação entre direitos fundamentais em colisão. Com efeito, se comparamos a técnica de argumentação que é empregada na grande maioria dos nossos julgados envolvendo a temática do conflito entre direitos fundamentais, e a cotejamos com aquilo de que se utilizam os Tribunais Constitucionais dos países da Europa ocidental, constatamos a enorme distância que nos falta percorrer.
Um dos aspectos que bem pode fixar essa distância está no critério que, sobretudo a partir da criação em 1998 do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos – TEDH, tornou-se prevalecente nos julgamentos que envolvem a colisão de direitos fundamentais, critério, aliás, que alguns Tribunais Constitucionais da Europa Constitucional vêm adotando. Segundo esse critério, quando se aplica a ponderação é necessário definir desde logo de que direito fundamental se deve partir, dentre aqueles que estão envolvidos na colisão. E o TEDH tem considerado que, nas situações em que o direito à liberdade de expressão está a colidir com um outro direito, o Tribunal deve considerar como prevalecente o direito à liberdade de expressão para, então, analisar se, nas circunstâncias do caso em concreto, a restrição imposta àquele direito (ao direito de liberdade de expressão) pode ou não ser considerada como proporcional.
Era comum pensar-se que, aplicada a técnica da ponderação, os direitos fundamentais a colidir deveriam ser considerados em iguais condições, o que o TEDH demonstra ser um equívoco, ao menos no caso do direito à liberdade de expressão, por considerar que, em um verdadeiro Estado de Direito, esse direito subjetivo deve ter primazia, e em face dele devem ceder passo os demais direitos, exceto quando, em um caso em concreto, demonstre-se, por meio racional, que a restrição imposta à liberdade de expressão justifica-se, ou seja, é proporcional, o que, de resto, desloca o eixo quanto ao ônus da prova, na medida em que cabe àquele que alega ter sido ofendido a prova de que a restrição ao direito de liberdade de expressão é justa. Sem essa prova concreta, deve prevalecer a liberdade de expressão, segundo o que vem decidindo o TEDH, aplicando o referido critério.
No Brasil, quando se trata de aplicar a técnica da ponderação em face da colisão entre direitos fundamentais, nomeadamente quando em questão o direito à liberdade de expressão, consideram-se que todos os direitos fundamentais estão à partida em igualdade de condições, não cabendo ao julgador estabelecer uma ordem de preferência entre eles, o que, como bem demonstra os julgados do TEDH, revela-se equivocado, porque há valores jurídicos que alicerçam e estruturam diretamente o Estado de Direito e que por isso merecem justificada preferência e proteção, a não ser em circunstâncias excepcionais, quando a restrição à liberdade de expressão se possa justificar.
Quando começarmos a adotar o referido critério, teremos consolidado ainda mais nosso Estado de Direito.