Uma boa chance de um instituto jurídico contar com uma correta aplicação depende em grande medida da denominação que se lhe dê. Um equivocado nome pode contribuir para que os operadores jurídicos não o compreendam bem, e o apliquem mal. É o que está a ocorrer com o instituto impropriamente denominado de “relativização” da coisa julgada material.
“Relativizar”, segundo os bons dicionários, como o de HOUAISS, significa “tratar ou descrever uma coisa negando-lhe caráter absoluto ou independente, considerando-a, portanto, como de importância ou valor relativo”. Mas não é isso o que ocorre quando, em uma concreta situação, o valor da segurança jurídica – que forma o núcleo da da coisa julgada material – colide com um outro valor jurídico (por exemplo, o valor da certeza jurídica), surgindo a necessidade de se ponderarem as circunstâncias específicas em que a colisão se coloca, para que se possa decidir racionalmente acerca de qual dentre os valores jurídicos em conflito prevalecerá.
Nesse tipo de conflito, não se “relativiza” qualquer dos valores jurídicos em colisão. Ponderam-se os valores em conflito, isto sim. Portanto, o valor da segurança jurídica não está a ser “relativizado” quando envolvido em uma colisão entre valores jurídicos. A propósito, não há quem diga que o valor jurídico da liberdade está a ser “relativizado” quando, em um determinado conflito com outro valor jurídico, decida-se em que não deva prevalecer.
Com efeito, tal como ocorre com qualquer valor jurídico, o da segurança jurídica pode colidir e efetivamente colide com outros valores, surgindo um conflito para a solução do qual se deve utilizar de um instrumento (o princípio da proporcionalidade) que permite racionalmente encontrar uma solução para o caso em concreto.
Conforme ensina CHIOVENDA, o instituto da coisa julgada material existe apenas por uma questão de utilidade prática. Com efeito, o direito positivo precisa impor um termo final à discussão judicial de uma lide, fixando um momento em que não há mais recursos de que a parte possa dispor, surgindo assim a coisa julgada material, como é tradicionalmente denominada no processo civil. Mas essa denominação impede o processualista de perceber que não é a coisa julgada material que é um valor jurídico: o valor jurídico é a segurança jurídica, e que, como todo valor, pode colidir com outros valores, em especial com o valor da certeza jurídica.
Assim, o falar em “relativizar” a coisa julgada material faz gerar a falsa impressão de que se está a mexer em algo sagrado do Direito. Nada mais falso. Com efeito, se há justas razões que justifiquem deva prevaleça a certeza jurídica, e não a segurança jurídica, não deve o juiz temer em assim decidir, se a ponderação de que se utiliza o conduz por esse caminho.