Trato, neste breve ensaio, de um tema que tem raízes na semiótica, na medida em que diz respeito à precisão da linguagem do juiz empregada na sentença, e que por dizer respeito à linguagem refere-se a signos, mas que projeta sensíveis efeitos no campo do Direito positivo, apresentando um importante problema prático, ligado à coisa julgada.
Valer-me-ei de dois exemplos, ambos relacionados ao mandado de segurança.
No primeiro exemplo, o juiz, examinando um mandado de segurança, entende que não é possível concluir se o direito subjetivo que o autor invocou existe ou não, por haver a necessidade de se aprofundar a discussão da lide, embora isso não possa ocorrer em razão de uma limitação imposta pela lei que regula a ação do mandado de segurança (lei federal 12.016/2009).
No segundo exemplo, o juiz decide que o direito subjetivo invocado pelo autor não existe em sua essência, negando-o, pois.
É bastante frequente que os juízes, para os dois casos, empreguem na sentença o termo “denegar a ordem de segurança”, para expressarem a ideia de que a razão não está com o autor.
Se formos aos bons dicionários, encontraremos no verbete “denegar” os sentidos de negar, indeferir, não conceder. Esses sentidos do léxico comum correspondem ao sentido técnico empregado pelo juiz, de modo que o emprego do verbo “denegar” poderia ser abonado.
Mas entre as duas situações processuais há uma importante distinção, em face da qual a precisão da linguagem do juiz na sentença tem importância fundamental.
Com efeito, no primeiro caso o juiz, em virtude de uma limitação cognitiva ou probatória inerente à ação do mandado de segurança, não consegue percorrer o caminho necessário para que possa dizer, na sentença, se o autor possui ou não o direito subjetivo que invoca. Ao contrário do que se dá no segundo caso, em que o juiz percorre todo o “iter” da cognição, a ponto que pode concluir que o direito subjetivo invocado pelo autor não existe.
Destarte, no primeiro caso não há óbice a que o autor busque obter a tutela jurisdicional por outro tipo de ação. Enquanto no segundo caso a coisa julgada material o obstará.
Não que seja incorreto empregar o juiz o verbo “denegar” em ambos os casos, porque a rigor o pedido do autor não está sendo acolhido tanto em um quanto noutro. Mas a precisão da linguagem do juiz na sentença é exigida para que não haja dúvida acerca daquilo sobre o que se formou a coisa julgada material.
Assim, a precisão da linguagem exige que o juiz reserve o termo “denegar” apenas para a hipótese em que tenha examinado o mérito da pretensão, quando tenha negado, pois, a existência do direito subjetivo. No outro caso, deverá dizer claramente que não existe uma das condições específicas para o exame do mérito da pretensão, deixando claro, pois, o que limitou o iter cognitivo, não empregando, por respeito à precisão da linguagem o termo “denegar”.
Deve-se entender por “denegar a ordem segurança” apenas a hipótese em que o mérito da pretensão tenha sido examinado, quando se nega a existência do direito subjetivo invocado pelo autor.
O Direito como ciência e sobretudo em sua dogmática emite sinos como objetos a serem interpretados. Como observa GILLES DELEUZE, “Aprender diz respeito essencialmente aos signos. Os signos são objeto de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados. (…). Tudo que nos ensina alguma coisa emite signos, todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou de hieróglifos. (…)”. (“Proust e os Signos”).
A linguagem na sentença deve ser precisa, operando com signos que permitam aprender seu real conteúdo, nomeadamente quanto àquilo sobre o que a coisa julgada material formar-se-á.