Uma lei declarada como inconstitucional em um dado contexto histórico pode, modificado esse contexto, tornar-se constitucional, restaurando sua vigência, validez e eficácia? Essa é a questão que está agora a envolver leis estaduais que haviam instituído o ITCMD – Imposto sobre Causa Mortis e Doação, e que foram declaradas inconstitucionais porque à época em que essas leis  surgiram não havia ainda uma lei complementar de caráter nacional que legitimava a instituição daquele tributo.

O Supremo Tribunal Federal, com efeito, reconhecera tais leis estaduais como inconstitucionais porque lhes faltava, como condição necessária, uma lei complementar nacional que fixava os requisitos mínimos necessários para a efetiva criação do tributo. Sucede, contudo, que, no bojo da reforma tributária, editou-se a lei complementar nacional, de maneira que aquela condição foi preenchida, e os Fiscos estaduais trataram de fazer aplicada a sua anterior legislação (a que antes era inconstitucional), cobrando o imposto sobre doações. Os contribuintes reagiram, foram à Justiça com a alegação de que, uma vez inconstitucional, inconstitucional para sempre uma lei – e têm conseguido a tutela jurisdicional que os desobriga de suportarem o tributo.

A inconstitucionalidade de uma lei pode resultar de diversos fatores, como, por exemplo, o de uma incompatibilidade lógico-jurídica em face do que dispõe essa lei quando em cotejo com uma norma constitucional. A lei nesse caso regula um tema de maneira diversa daquela que a constitucional estabelece. Há aí uma incongruência entre o objetivo da norma constitucional e o da norma que lhe é inferior. Como essa incongruência é de natureza hermenêutica, pode ocorrer que se modifique com o tempo a interpretação da norma constitucional, passando a comportar a solução que foi dada pela lei infraconstitucional. E aquilo que era à partida inconstitucional, revela-se depois constitucional.

Outro fator que pode determinar a inconstitucionalidade de uma lei infraconstitucional é de caráter puramente formal, que se configura como no caso das leis que criaram o ITCMD. Faltava-lhes, como base, a lei complementar de caráter nacional que as deveria legitimar. Mas, surgindo a lei complementar, aquilo que era inconstitucional, deixou de ser.

A inconstitucionalidade não é um elemento fixo no tempo. As condições que a fazem configurada podem ser modificar, como vimos acima. Uma nova interpretação ao enunciado de uma norma constitucional pode fazer constitucional uma lei que antes fora declarada como inconstitucional. Uma condição antes inexistente, em surgindo, pode fazer constitucional o que até então não o era. O que significa dizer que se deve aferir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei em face de um específico contexto histórico – que pode mudar, como o Supremo Tribunal Federal, aliás, reconheceu há algum tempo, quando reconheceu que, conquanto alguns contribuintes tivessem se beneficiado de uma interpretação conferida a uma determina norma, foram depois obrigados a recolher o tributo porque aquela interpretação se modificara. Ou seja, o que era inconstitucional se tornou constitucional. Nesse caso, em favor do Fisco.

O Direito é dinâmico, tanto quanto é a vida que ele busca regular. As leis, naturalmente, são tão dinâmicas quanto. E a interpretação judicial não é menos dinâmica, tanto são as mudanças de rota que acontecem ao longo do tempo. Portanto, uma lei que, em um específico contexto, fora declarada inconstitucional, pode perfeitamente se tornar constitucional se esse contexto se modifica, e a lei, então, terá restaurada a sua vigência, validez e eficácia.

Lembremo-nos de MACHADO DE ASSI e de sua fina observação de que não há quase nada que se tenha como fixo nesse mundo, “talvez a lua, talvez as pirâmides do Egito, talvez a finada dieta germânica”. No Direito, neste é que não há mesmo nada fixo, a não ser a sanha de alguns  contribuintes que não querem pagar o tributo …

 

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