É ainda bastante tímida a aplicação entre nós do princípio da coerência. Mas do que se trata esse princípio?

Simples, o Estado, exercendo seu poder discricionário,  ao decidir de uma determinada forma, obriga-se a decidir da mesma forma casos semelhantes. Esse princípio, que é uma variação do princípio da igualdade, surgiu na Alemanha, quando seu Tribunal Constitucional, examinando uma matéria tributária, reconheceu que o Estado havia dado tratamento diferentes a contribuintes que estavam em situação jurídica semelhante, e, então, aplicando o princípio da coerência, o Tribunal Constitucional alemão estendeu a um caso o que havia sido decidido quanto ao outro. Depois disso, o mesmo Tribunal foi estendendo a aplicação do princípio da coerência a outros ramos do Direito.

A rigor, não se trata senão que aplicar o princípio da isonomia, visto que se cuida de estender a um caso a mesma razão que se adotou noutro caso, de maneira que, existindo casos semelhantes, é justo que se aplique a mesma decisão a todos esses casos. Mas o que caracteriza o princípio da coerência está no reconhecimento de que o Estado, decidindo de uma determinada forma, vincula-se para o futuro, e esse é núcleo desse princípio.

Mas, como dito, no Brasil esse princípio ainda não é aplicado por nossos tribunais, senão que raramente, e a doutrina, por sua vez, pouco fala dele, considerando-o embutido no princípio da igualdade. Mas é o princípio da coerência que pode permitir que outro princípio constitucional – o que prevê que o Estado brasileiro promova o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação, sobretudo a que diz respeito à condição financeira da pessoa -, é, pois, o princípio da coerência que permite que o Estado brasileiro consiga implantar uma sociedade justa e igual.

Muitas pessoas estão a criticar a velocidade com que um famoso apresentador de televisão conseguiu, em menos de dez dias após ter seu nome inserido na fila de transplante, receber o órgão, por acreditarem essas pessoas que o Estado (que é quem organiza e administra a lista do transplante) beneficiou aquele apresentador, porque famoso e porque rico, e que haveria aí uma forma de discriminação, tantas são as pessoas que estão na mesma fila de transplantes e que aguardam sua vez. Mas ao contrário de criticar essa velocidade, as pessoas, sobretudo as que aguardam sua vez na fila e seus familiares, deveriam tirar do fato um alento, um importante alento, e que está exatamente no princípio da coerência. Explico-me.

É que o Sistema Único de Saúde –  SUS, demonstrou no caso do famoso apresentador de televisão que o sistema é eficiente e que pode ser eficiente, quando o Administrador Público quer que seja assim. Ou seja, a acentuada velocidade alcançada entre inserir o nome na lista de transplantes, encontrar um doador e o realizar o procedimento cirúrgico, essa acentuada velocidade mostra que o Estado pode ser eficiente, e se foi no emblemático caso do apresentador de televisão, também o pode ser noutros casos. Assim, o princípio da coerência obriga que o Estado, nos casos futuros, faça o  possível para alcançar a mesma velocidade demonstrada no caso em questão.

Pois bem, todas aquelas pessoas que estão a aguardar, algumas por considerável tempo, que o transplante realize-se, essas pessoas podem agora, invocando o princípio da coerência, que se lhes dê o mesmo tratamento que foi dispensado ao famoso apresentador de televisão. Mas, perguntará o leitor, e se o Estado não for coerente? Então, caberá ao Poder Judiciário obrigar o Estado a ser coerente com aquilo que fez ou decidiu em caso anterior, bastando que exista um processo judicial que tenha sido ajuizado com a finalidade de tornar realidade o princípio da coerência, que, acolhido em nossa Constituição, aguarda que possa ser utilizado para que tenhamos uma sociedade cada vez mais justa e igual.

 

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