Hoje, nossa sociedade é particularmente difícil de entender. O homem que vive dentro dela quase não pode analisá-la. Os problemas de classe se tornaram impensáveis com os termos que se empregavam há cinquenta anos. Vivemos ao mesmo tempo uma sociedade de classe e uma sociedade de massa. (…)”. (ROLAND BARTHES, As Coisas Significas Alguma Coisa?, in O Grão da Voz).


Não se sabe bem se ROLAND BARTHES terá se arrependido em ter tratado, sob a luz da Semiologia, de um tema tão prosaico como é o da Moda. É certo que o preço lhe foi cobrado quando se candidatou ao Collège de France para a cadeira de Semiologia Literária, porque seus críticos o acusavam de ter produzido ensaios sobre a frivolidade, o que não atendia ao rigor científico. Mas MICHEL FOUCAULT o salvou, e BARTHES foi eleito.

O fato é que a Moda está sempre cercada por signos, cujos significados estão muitas vezes para além daquilo que o significantes parecem produzir a princípio. O imaginário coletivo faz a sua parte. BARTHES viu isso bem, identificando a presença um sistema de linguagem todo próprio à Moda e demonstrando como ele opera e como o Estruturalismo pôde decifrá-lo.  Essa descoberta conduziu os especialistas a um sistema semelhante ao da Moda: o da Propaganda Comercial, e de como os signos, significantes e significados, inseridos em uma estrutura específica, produzem o efeito de convencerem o público, o que passa muitas vezes por surpreendê-lo. O fato de não existir uma relação estável entre forma e conteúdo permite que isso ocorra, como observa BARTHES: “Tome, por exemplo, a saia curta; hoje se diz que ela é erótica; mas, há cinquenta anos, o mesmo adjetivo era empregado exatamente a propósito da saia longa. Racionaliza-se hoje a exiguidade da saia por um fator de erotismo”.

Pode ocorrer, portanto, a transformação de uma determinada ordem em algo com significação diversa. Aquilo que antes possuía um determinado sentido, agora possui outro. Intencionalmente ou não. A Propaganda Comercial pode se utilizar disso como estratégia, mas seus resultados podem ser perigosos quando os significados surgem transformados em uma ordem de signos diversa, e mais sensível, como é o campo da Política.

Consideremos o curioso caso que está a envolver a propaganda de uma conhecida sandália, em que uma famosa atriz brasileira afirma não desejar que se comece o ano de 2026 “com o pé direito”, senão que, segundo diz a atriz na peça publicitária,  deve-se começar o novo ano “com os dois pés”. Suponhamos que esse comercial tivesse sido veiculado há coisa de dez anos. Certamente, ninguém tomaria o sentido de “pé direito” como algo ligado à Política.

Para despertar a atenção do público, a referida peça publicitária inverte aquilo que se poderia esperar de uma expressão bastante antiga no Brasil, que é o dizer que se deve começar algo “com o pé direito”, o que remonta a uma tradição da Roma antiga, segundo a qual o lado direito das coisas é visto como um sinal de boa sorte. A peça publicitária se vale, pois,  de um estratégia bastante adotada no mundo da comunicação, que é de surpreender o ouvinte, dizendo a ele o contrário do que ele poderia esperar. Em vez de se dizer que se deve começar o ano de 2026 com o “pé direito”, a peça publicitária diz que se deve começar o ano como “os dois pés”.

Hoje, como a realidade é diversa, em que a polarização política instalou-se de uma maneira bastante consistente entre nós, a referida peça publicitária foi recebida sob uma ordem de signos diversa, em que a política está a racionalizar tudo, inclusive aquilo que antes estava apenas no mundo da Propaganda, em que a Utopia, que é campo do desejo,  desaparece para dar lugar a um sentimento que é próprio à Política, em que a necessidade é o valor prevalecente.

Evidentemente que há na mencionada peça publicitária uma mensagem estruturada em um sistema que é específico à Propaganda Comercial, em cujo eixo está quase sempre o propósito de despertar o interesse do público, o que se pode conquistar por meio de signos, cujo significado pode ser precisamente o inverso daquele que seja o usual. Mas quando a ordem de signos sai dos limites da Propaganda Comercial e chega ao campo da Política, os riscos são maiores – porque imprevisíveis, em que o papel da linguagem é decisivo. De resto, como disse o escritor brasileiro ORÍGENES LESSA em uma entrevista:

É preferível escrever um anúncio sobre automóvel, geladeira ou batom a defender uma ideia contrária a seu íntimo. Escreva a favor de um automóvel que não vai poder comprar, mas nunca a favor de uma ideia ou de um governo ou instituição, com os quais não está de acordo”.

 

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