Reproduzo aqui voto proferido em ação na qual se discute acerca da aplicação do Marco Civil da Internet, depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu acerca do tema. Na ação, pretendia a autora excluir de uma rede social um conteúdo que se lhe revelava ofensivo à sua imagem.


APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS FUNDAMENTAIS. COLISÃO ENTRE LIBERDADES. PUBLICAÇÃO DE COMETÁRIOS NA PLATAFORMA SOCIAL CONTEÚDO SUPOSTAMENTE PREJUDICIAL À HONRA E À IMAGEM DA AUTORA.  AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS.

APELO DA RÉ EM QUE SUSTENTA CARACTERIZAR-SE A VIOLAÇÃO À SUA HONRA OBJETIVA E SUBJETIVA, ALEGANDO, POIS, NÃO TER CONSEGUIDO REMOVER A PUBLICAÇÃO DA PLATAFORMA, NECESSITANDO PARA TANTO DA TUTELA JURISDICIONAL.

APELO INSUBSISTENTE. CORRETA A SOLUÇÃO DETERMINADA PELO JUÍZO DE ORIGEM, PORQUANTO A REMOÇÃO DE CONTEÚDO DA INTERNET DEVE SE DAR DE FORMA PONDERADA, O QUE É PRÓPRIO OCORRER QUANDO SE TEM A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE, APLICADO QUANDO HÁ COLISÃO ENTRE LIBERDADES FUNDAMENTAIS.

PROVEDORES DA “INTERNET” CUJAS ATIVIDADES NO BRASIL CONTAM COM A PROTEÇÃO QUE LHES É DADA PELA LEI FEDERAL 12.965/2014 (“A LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET”), CUJAS DISPOSIÇÕES OBSERVAM DE MANEIRA BASTANTE JUSTA E EQUILIBRADA A PROTEÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SOBRETUDO POR SEU ARTIGO 19. CENSURA QUE, NO BRASIL, É DE SER CONSIDERA COMO MEDIDA EXCEPCIONAL, ALIÁS EXCEPCIONALÍSSIMA, O QUE, EM CERTA MEDIDA, ESTÁ AGORA REFORÇADO PELO NOVEL JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.057.258, COM NOTA DE REPERCUSSÃO GERAL.

NAQUELE RECURSO, COM EFEITO, O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, FAZENDO APLICAR O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, REALIZANDO ASSIM A PONDERAÇÃO DOS VALORES E INTERESSES EM COLISÃO, SOBRETUDO O DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO, ESTABELECEU QUE ESSE VALOR, COMO NENHUM OUTRO, É ABSOLUTO, O QUE DE RESTO CONDUZIU AQUELE EGRÉGIO TRIBUNAL A RECONHECER QUE, APENAS NO CASO DE INJUSTIFICADA RESISTÊNCIA DOS PROVEDORES DE APLICAÇÃO DE INTERNET A ORDENS JUDICIAIS, PODER-SE-Á RESPONSABILIZÁ-LOS, REALIZANDO ASSIM O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOBRE O ARTIGO 19 DA LEI FEDERAL 1.965/2014.  

OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E VEDAÇÃO À CENSURA PRÉVIA. APELANTE QUE, CONFORME BEM OBSERVADO PELO JUÍZO DE ORIGEM, DEVERÁ, POR MEIO DE AÇÃO PRÓPRIA, DIRECIONAR SUA PRETENSÃO DE REMOÇÃO DOS CONTEÚDOS DA INTERNET CONTRA O AUTOR DESSAS MANIFESTAÇÕES.

SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, COM A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por (…) em face da r. sentença de fls. 173/177 que, nos autos da ação de obrigação de fazer, movida em desfavor de (…), julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais.

Em suas razões de apelação, sustenta a autora, em síntese, a nulidade da r. sentença por cerceamento de defesa, diante do indeferimento da produção de provas para expedição de ofício a operadora telefônica (VIVO S/A), a fim de ter acesso a informação da data e hora da postagem do tweet referente ao IP “177.102.251.45”, associado a quais dados cadastrais do cliente, como nome completo, RG, CPF e endereço. Afirma que os comentários postados possuem caráter ofensivo e criminoso. Pugna, assim, pela anulação da r. sentença ara que seja expedido ofício viabilizando a identificação do autor dos comentários, como requerido na fase de produção de provas, e não sendo anulada, a reforma no que tange a remoção dos comentários, julgando a total procedência da demanda (fls. 180/188).

Recurso tempestivo, preparado e contrarrazoado.

 

FUNDAMENTAÇÃO

O recurso não comporta provimento.

Quanto à alegação de cerceamento de defesa, não assiste razão à argumentação da apelante. Ademais, a controvérsia, conquanto em parte de conteúdo fático, pôde ser examinada em toda a sua completude por meio da prova documental produzida, não se caracterizando, portanto, o alegado cerceamento de defesa.

Ademais, não subsiste o interesse da apelante para expedição de ofício a operadora telefônica (VIVO S/A) para obtenção dos dados cadastrais do cliente, porquanto provido seu pedido consistente em obter as informações referentes ao perfil @juniorm06997841 junto à plataforma ré. Sobreleva, também, considerar o que bem argumentou o juízo de origem, ao registrar que “o pedido da autora de expedição de ofício à Vivo S.A. foge ao escopo do presente feito, porquanto apenas a empresa Twitter compõe o polo passivo deste processo e não deve sofrer com os efeitos da extensão de uma ação à qual não deu causa, figurando como parte ré.”.

Com efeito, ao não acolher o pedido de remoção do conteúdo, verifica-se o acerto da r. sentença, na medida em que a restrição de conteúdos divulgados na internet deve ser realizada de forma ponderada, em observância à garantida do princípio da liberdade de expressão e da vedação da censura prévia.

Não se vislumbra, da análise do caso concreto, qualquer violação à livre manifestação do pensamento. Confira-se o que bem obtemperou o juízo de origem:

“No que tange à responsabilidade pelos conteúdos que a autora entende como ofensivos, veiculados por meio de perfil supostamente falso, cabe destacar que não foi a ré quem os redigiu, de maneira que o requerimento de retirada dos conteúdos veiculados na internet deve ser perseguido contra o autor desses conteúdos, que deve ter a oportunidade de se defender em ação própria na qual seja citado. Nesse sentido, o artigo 19 da Lei n. 12.965/2014 estabelece que o provedor de aplicações de internet somente será responsabilizado civilmente por danos de conteúdo gerados por terceiros se, com ordem judicial específica, não atender a providência de fornecer os dados requisitados para indisponibilizar o conteúdo apontado como ilícito. Logo, a pretensão da remoção dos conteúdos da internet que a requerente entende como ofensivos, deve ser direcionada contra o autor dessas manifestações, por meio de ação própria, de forma que o presente feito serve apenas para identificar o suposto ofensor. Portanto, a requerida não pode ser compelida nestes autos a proceder à remoção do perfil e do conteúdo publicado, que deve ser realizado contra a pessoa responsável pela sua criação e veiculação.”.

Há que se considerar que, no Brasil, os provedores de “Internet” contam com uma regulação legal que balizam suas atividades, e essa regulação legal está materializada na lei federal 12.965/2014, conhecida como a “Lei do Marco Civil da Internet”, faz uma justa e ponderada aplicação das normas constitucionais que garantem a liberdade de expressão, sobretudo seu artigo 19.

Não há dúvida de que se tem no caso em questão uma colisão entre o direito fundamental à liberdade de que é titular a autora, e o direito à mesma liberdade de expressão de que é titular a ré enquanto provedora de “Internet”, cuja atuação, como dito, está regulada por aquela lei federal. Não cabe, pois, aos provedores de acesso à “Internet” o papel de censores daquilo que se pode ou não publicar nas redes sociais. A censura em nosso País, sempre é bom recordar, é medida excepcional, aliás excepcionalíssima, o que justifica não tenha o Legislador atribuído aos provedores de acesso à “Internet” aquele papel de censor.

O que, evidentemente, não significa que não existam limites à liberdade de expressão. Esses limites, contudo, não podem ser tão estreitos como pretende a autora. E a r. sentença ponderou, com equilíbrio, o que forma o conteúdo das publicações e a liberdade de expressão, entendendo devesse prevalecer esta última, o que constitui correta solução ao caso em questão.

Tenha-se em conta, outrossim, o que veio de recentemente decidir o Supremo Tribunal Federal no referido recurso extraordinário, em que cuidou aplicar o princípio da proporcionalidade, ponderando os valores e interesses jurídicos em conflito, sobretudo a liberdade de expressão, para sublinhar que esse direito não é absoluto, como nenhum outro o é, daí extraindo a conclusão de que os provedores de aplicação da Internet somente podem ser responsabilizados quando se configure uma injustificada negligência em face de uma ordem judicial que imponha a remoção de conteúdo, situação que não é a destes autos.

Por meu voto, pois, nega-se provimento a este recurso de apelação, mantendo, assim, a r. sentença em seu integral conteúdo.

Quanto aos encargos de sucumbência, mantenho o que a r. sentença estabeleceu a respeito, cuidando apenas de aplicar o artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, para majorar os honorários de advogado de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais).

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

RELATOR

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