A Constituição de 1988 é pródiga no utilizar a palavra “sistema”, aplicando-a a diversos temas, dentre os quais o da perda de mandato, como se vê de seu artigo 27, parágrafo 1o.. Mas o que se deve entender como “sistema” no contexto a que a Constituição de 1988 se refere?

A primeira observação a ser feita é que se há presumir que o Legislador quis estabelecer um determinado regime jurídico-legal envolvendo determinados temas, cuja relevância lhe pareceu justificar essa opção. Assim, no caso da perda do mandato, deve-se considerar, segundo a Constituição de 1988, a existência de um sistema no qual se insere o conjunto das regras que dizem respeito à perda de mandato.

Se há sistema, há estrutura. Se há estrutura, há normas que a formam, e a interpretação não pode se dar senão em conjunto, abarcando todas as normas que compõem a respectiva estrutura, de modo que se alcance, com a intepretação, a lógica do razoável.

Portanto, se há sistema, isso significa reconhecer que se deve considerar uma especial coerência que se deve levar em conta quando se está a interpretar o conjunto das normas constitucionais que envolvem o tema. Com efeito, é predicado essencial de uma sistema jurídico a coerência, mas de um coerência em cujo conteúdo se destaca a razoabilidade. (O leitor mais atento terá percebido que isso nos está a conduzir ao princípio da proporcionalidade.)

Pois bem, tomemos o artigo 55 da Constituição de 1988, dispositivo pelo qual se enumeram as hipóteses nas quais o deputado ou senador perderá o mandato, analisando esse dispositivo no bojo de um sistema jurídico-constitucional, que é formado também pelo parágrafo 2o. do artigo 55, norma que, assim, integra a respectiva estrutura de que está dotada a Constituição de 1988 relativamente à perda do mandato de deputado e senador.

O parágrafo 2o. do artigo 55, com efeito, prevê que, em determinadas hipóteses, a perda do mandato do deputado ou do senador somente ocorrerá se a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal deliberar, por maioria absoluta dos votos, que deva ocorrer. Trata-se, pois, de uma condição imposta ao intérprete, sendo isso o que caracteriza em essência o sistema jurídico-constitucional inerente à perda do mandado de deputado ou senador.

A questão que então se coloca é a seguinte: no caso de o deputado ou senador suportar condenação criminal por sentença transitada em julgado, e se por força dessa sentença tiver suspensos seus direitos políticos, suportará a compasso a perda automática de seu mandato? A resposta seria afirmativa, não se levasse em conta o sistema específico em face do qual a interpretação das normas constitucionais deve ser realizado.

Com efeito, como o artigo 55 estabelece de maneira expressa que, na hipótese em que se trata de condenação criminal por sentença transitada em julgado, a perda do mandato depende necessariamente de que assim delibere a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, isso significa o claro objetivo da Constituição em colocar sob a competência exclusiva do Congresso Nacional em decidir a respeito.

Mas se poderia obtemperar que, se a condenação criminal transitada em julgado impôs também, como efeito da condenação, a suspensão dos direitos públicos, não se trataria, então, de uma hipótese isoladamente prevista no inciso IV do mesmo artigo 55, e para essa hipótese não se exige a deliberação do Congresso Nacional a respeito da perda do mandato? Deve-se ter em conta, todavia, que a cassação dos direitos políticos, seja em decorrência da perda desses direitos ou de sua suspensão, é um efeito projetado pela sentença criminal transitada em julgado que foi colocado, no sistema constitucional da perda do mandato de deputado ou senador como uma matéria sobre a qual apenas o Congresso Nacional pode deliberar e decidir.

Essa conclusão, legitimada pelo controle da proporcionalidade, decorre de a Constituição colocar o tema da perda do mandato de deputado ou senador em um específico sistema, inserido assim sob uma proteção especial, em que o exame da conveniência e da oportunidade é feito apenas pelo Congresso Nacional, em que o princípio da separação entre poderes é levado em conta, na medida em que não é suficiente que exista uma condenação imposta pelo Poder Judiciário, senão que é proporcional exigir que o Congresso Nacional a valore como sendo adequada para a perda do mandato de deputado ou senador.

 

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