FREUD foi o primeiro a perceber e a revelar que há uma ambiguidade essencial envolvendo a cultura: ela é, a um só tempo, símbolo e ideologia, ou seja, uma forma de humanização, mas que é também domínio. Ambiguidades estão presentes em muitos outros fenômenos,  e não é fácil lidar com ela, porque a solução pode não ser puramente racional.  Consideremos, pois, o que sucede com a declaração de inconstitucionalidade, que, conquanto deva estar apenas no campo do jurídico, trai aquilo que vai na consciência do julgador, descortinando a sua ideologia. Há aí uma ambiguidade em que se deve considerar a questão, que aparece aqui apenas como provocação, e não como resposta: da inconstitucionalidade à ideologia, o que sobra?

Essa ambiguidade é um grave e perigoso problema, visto que se espera do juiz que, ao reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei, esteja a pensar apenas como juiz, para quem a ideologia deve ser deixada de lado. Deve pensar e decidir como juiz. E como tal não representa a sociedade. Julga e deve julgar conforme o Direito. Assim, por exemplo, se entende que a proibição legal ao aborto é inconstitucional, é seu dever declarar essa inconstitucionalidade. Mas como desconsiderar a sua ideologia? Afinal, “De que serve o quadro sucessivo das imagens externas / A que chamamos o mundo?”, conforme diz a poesia de FERNANDO PESSOA? Portanto, o que é o mundo, e nele onde está o mundo do Direito?

(Não sei bem a razão, mas me lembrei da “moldura” de KELSEN. De todo o modo, fica a questão.)

 

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