Tornou-se célebre a frase do historiador, estadista e acadêmico francês, FRANÇOIS PIERRE GUIZOT (1787-1874), segundo a qual “Quando a política penetra nos recintos dos tribunais, a Justiça se retira por alguma porta”. Frequentemente citada, sobretudo quando se trata de, com ela, alicerçar a tese de que os Tribunais devem julgar as causas sob o enfoque exclusivamente do Direito, e que este não se confunde com a Política, havendo entre um e outro algo que os torna incompatíveis, essa frase deve ser compreendida no contexto em que ela surgiu.
Autor de importantes obras como “Da Democracia na França” e “A Historia da França”, GUIZOT era uma espécie de “liberal moderado” aos moldes do século XVIII, mas que hoje seria visto como um conservador que lutava pela manutenção da monarquia constitucional, para o qual, portanto, qualquer liberdade era algo perigoso, o que só por si explica quão arraigado era nele o sentimento de que não se pode tolerar que os juízes possam interpretar uma norma legal sob um viés político. Política, segundo GUIZOT, era propriedade apenas do governante, e não dos juízes, como se fosse possível separar um mundo de outro, como se o Direito não tivesse origem na Política, e como se as leis fossem um produto imposto apenas pela razão do Legislador.
Estamos a falar, pois, de uma ideia típica do século XVIII, surgida quando era tímido, sobretudo em França, o papel reservado aos juízes, e quando se pensava que a sentença, tanto quanto a lei, eram produtos puramente da razão, como se fosse possível estabelecer a separação entre as concepções jurídicas e políticas de um magistrado.
Hoje se sabe, de ciência certa, que, na compreensão de uma lei, entram aspectos e valores os mais variados, a ponto mesmo de não se poder estabelecer, com precisão, o que de fato estrutura uma decisão judicial, tanto são os fatores envolvidos no pensamento do magistrado, em cuja formação atuam elementos como a origem familiar, a perspectiva como ele vê seu mundo, a função do Direito, tanto quanto a função da Política.
Por mais prosaico que seja o tema discutido em uma ação judicial, e nem mesmo aí se pode desconsiderar quais os fatores, muitos dos quais extrajurídicos, que podem ter conduzido o juiz a uma decisão. E não se está a falar aí em qualquer ativismo judicial, senão que apenas na função de julgar.
Em cada sala de tribunal, em cada julgamento que ali se profere, estão ali, indissociavelmente ligados ao exercício do poder, o Direito e a Política.