Para além do avanço no exercício da liberdade de expressão, fazendo aprimorar o que se entende por “opinião pública participativa”, essencial à ideia de democracia, as redes sociais têm produzido um novo perfil do leitor de jornais, mais reativo àquilo que lê. Prova viva desse fenômeno é o episódio que envolve um dos mais influentes jornais do mundo, que, confiante de que seu leitor não mudara, tentara influenciá-lo na escolha do candidato a prefeito de uma importante cidade dos Estados Unidos. Deu-se mal.
O jornal, com efeito, fez imprimir em suas páginas matéria na qual claramente dizia que, dentre os candidatos ao pleito, há quem não seja, ou não deva ser considerado como um genuíno norte-americano, porque nascera em um país africano e, conquanto tenha se mudado para o Estados Unidos com sete anos de idade, ainda assim não devia ser visto pelos leitores (eleitores) como um verdadeiro norte-americano.
Esse comportamento do jornal não é nada novo em sua longa história. Várias vezes seus donos quiseram, e conseguiram impor sua vontade aos leitores, influenciando-os em suas escolhas eleitorais, com o que, aliás, o jornal ganhou poder.
Mas desta vez a coisa não funcionou como o jornal esperava. Imediatamente à publicação a matéria, o jornal começou a receber manifestações de seus leitores, que inundaram a seção de “comentários” do jornal, gerando uma avalanche de indignação dos leitores, o que, só por si, mostrou aos donos do jornal que alguma coisa havia mudado, e do que eles não haviam até então se dado conta.
Não há dúvida de que por trás dessa mudança de comportamento do leitor está o quanto ele se habituou ao terreno que é próprio às redes sociais, em que a liberdade de expressão é seu maior valor. Acostumado a criticar o que quer que lhe parece digno de ser criticado, em um comportamento que surgiu com as redes sociais, e por que ele foi influenciado, o leitor agora adotar esse mesmo comportamento em relação a seu jornal, para o criticar, quando entende que assim o deva fazer. As amarras foram soltas, e não há volta.
Esse interessante fenômeno sociológico nos convida a pensar sobre uma ideia que circulou no Brasil na semana passada, quando alegou que a liberdade das redes sociais havia criado um novo tipo de servilismo, o “digital”, em que cada um dos cidadãos deste país pode publicar o que queria, valendo-se das redes sociais, e que isto corrói a democracia. Não se sabe bem qual o sentido a que se deu ao termo “servilismo” nesse contexto, mas certamente ele não guarda a mínima relação com à ideia construída por GILBERTO FREYRE em sua obra “Casa Grande & Senzala”, em que, com mão de mestre, analisa como as relações sociais surgiram no contexto do poder, e isso deu conformação à nossa identidade como país, em que um cenário em que os meios tradicionais de informação tiveram papel decisivo na manipulação daquilo que era informado à opinião pública, moldando-a conforme seus interesses, em um quadro, este sim, de servilismo. O mesmo fenômeno é descrito por RAYMUNDO FAORO em seu livro “Os Donos do Poder”.
Portanto, não seria exatamente o contrário, ou seja, a liberdade que as redes sociais propiciam à opinião pública não é senão o que fez libertar as pessoas em geral do servilismo a que estavam submetidas, quando o acesso à informação ficava sob o monopólio dos tradicionais veículos de comunicação?