Há entre o Direito Civil e o mundo dos filmes de Hollywood mais coisa do que pode sonhar a nossa vã filosofia. É o que podemos deduzir da comparação feita há alguns dias por uma autoridade que, para defender a aprovação do projeto do Código Civil, associou o enredo do famoso filme de ficção científica, “De Volta para o Futuro”, de 1985, em que são narradas as experiências de um adolescente que, em uma viagem pelo tempo propiciada por um excêntrico cientista, pôde não apenas acompanhar de perto a vida de seus pais, então jovens, mas o de interferir de algum modo no curso das coisas, deparando-se o adolescente então com um paradoxo filosófico, na medida em que se dá conta de que, uma pequena mudança no passado, e o futuro seria diferente, inclusive com a possibilidade de que o futuro não existisse. Bastaria, pois, que seus pais não se cassassem, e ele não existiria. Conquanto não se saiba bem em que terá pensado a autoridade para fazer essa associação, em que o projeto do Código Civil seria uma “volta ao futuro” (?!), há um aspecto que merece nossa atenção.
Que “futuro” querem os autores do projeto do Código Civil restaurar? Talvez aquele em que se tentou, por diversas formas e meios, eliminar as conquistas produzidas por um Código de Defesa do Consumidor, inclusive por meio de uma ação de declaração de inconstitucionalidade ajuizada pela federação dos bancos, cujo objetivo era fazer aplicado nas relações com seus clientes não o Código de Defesa do Consumidor, mas o Código Civil, muito mais pródigo em favores à elite econômica do que faz o Código do Consumidor.
Então, não seria propositado dizer que os autores do projeto do Código Civil não querem o futuro, mas aquele passado? Sem dúvida. Mas o segredo está em não dizer isso publicamente.
E pensando bem, é possível compreender por qual razão a referida autoridade recordou do enredo daquele filme, se considerarmos que, se fosse possível voltar ao passado, a 1991 mais especificamente, e não se tivesse aprovado o Código de Defesa do Consumidor, o futuro não seria o que é hoje, em que os consumidores dispõem de uma importante arma com a qual impuseram significativas derrotas aos interesses da elite econômica. É esse “novo futuro” que o projeto do Código Civil quer implementar.