“Seção IV
– Do Saneamento e da Organização do Processo
Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:
I – resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;
III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373;
IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.
§ 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.
§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.
§ 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas.
§ 5º Na hipótese do § 3º, as partes devem levar, para a audiência prevista, o respectivo rol de testemunhas.
§ 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato.
§ 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.
§ 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para sua realização.
§ 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre as audiências”.
Comentários: sobejam exemplos na prática de quão desprezada muitas vezes tem sido tratada a decisão de organização e saneamento do processo civil, como se se tratasse de algo meramente simbólico, quase que uma obrigação imposta ao magistrado quando tem que instalar a fase de instrução. Não é incomum no Brasil que o Legislador atribua grande relevância a uma determinada norma legal, mas que os juízes, ao aplicarem-na, não a tratem como tal. E se é certo que o CPC/2015 ainda não conseguiu mudar esse estado de coisas no que diz respeito em particular à decisão de organização e saneamento do processo, a percepção é de que, aos poucos, há um avanço, sobretudo no que diz respeito ao ônus da prova, tema que o artigo 357 cuidou prever em seu inciso III. É cada vez mais frequente que os juízes, quando elaboram a decisão de organização e saneamento, preocupem-se em especial com o tema do ônus da prova.
Aspecto de fundamental importância em qualquer processo judicial, do ônus da prova depende a solução a ser dada à demanda. Daí a importância que se deve reconhecer ao tema do ônus da prova e de como deve ser tratado da decisão de organização e saneamento, o que passa sobretudo pela necessidade de bem compreender o que são os denominados “fatos constitutivos”, “fatos modificativos”, “fatos impeditivos” e “fatos extintivos”. É frequente, aliás, o equívoco quanto ao que significa, no campo do processo civil, o conceito de “fatos modificativos”, mas deixemos esse tema para um outro momento. Vamos aqui à essência daquilo que, no contexto da decisão de organização e saneamento do processo, diz respeito de perto ao ônus da prova.
Estatui o inciso III do artigo 357 do CPC/2015 que o juiz deve “definir a distribuição do ônus da prova”, o que significa dizer que o juiz deve, na decisão de organização e saneamento, precisar o que forma no campo fático a controvérsia, explicitando-a de modo que as partes possam saber com o que, na visão do magistrado, a lide está formada. Note-se que é plenamente possível que, aos olhos do autor e do réu, a lide apresente uma conformação diversa diversa daquela que o juiz, o que demonstra a necessidade de que as partes possam tomar conhecimento dessa diferença de perspectivas, para que não sejam surpreendidas no momento em que tomam conhecimento da sentença. Antes de “definir” acerca da distribuição do ônus da prova, o juiz deve tornar explícito às partes como ele, o juiz, vê a lide, para então decidir a qual parte do processo incumbirá o ônus da prova. Lembremos que as partes podem pedir ao juiz esclarecimentos, que, assim, podem ser revelar necessários quando a perspectiva de análise do juiz é, ou parece ser diversa daquela que as partes possam ter sobre a lide.
A rigor, é imprópria utilização do verbo “distribuir” empregada no inciso III do artigo 357. “Distribuir” tem o sentido de repartir, dividir, e isso não corresponde ao que o juiz faz e deve fazer na decisão de organização e saneamento do processo. Ele não reparte ou divide o ônus da prova entre as partes, como se ele, o juiz, pudesse, por vontade própria, definir tal coisa. Está na dependência direta do qualificar como fato constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo uma determinada alegação o critério de que o juiz se utilizará para definir se o ônus da prova competirá ao autor ou ao réu.
Devemos observar que o parágrafo 2o. do artigo 357 autoriza que as partes submetam ao juiz requerimento quanto à delimitação que queiram fazer quanto às questões de fato e de direito, ou seja, ao ônus da prova. Mas cabe ao juiz decidir se homologa ou não tal convenção entre as partes, cuidando observar se ela não pode de algum modo colocar em risco a garantia a um processo justo.
É com esse mesmo espírito – de proteção à garantia a um processo justo – que o juiz deve designar audiência para que aquilo que formará a estruturação da decisão de organização e saneamento do processo possa ser construída com a colaboração das partes, quando a causa apresenta complexidade em matéria tanto de fato quanto de direito, conforme estabelece o parágrafo 3o. do artigo 357.