São inumeráveis as vezes em que juízes e tribunais brasileiros ou não conhecem dos embargos declaratórios no processo civil, ou não os provêm, a gerar a impressão de que se trataria de algo raro, raríssimo, poder o embargante alcançar seu objetivo, que é o de fazer com que a seus embargos declaratórios seja dado provimento, com os ajustes necessários daí decorrentes. Tal situação representa na prática algo que se pode mesmo qualificar como excepcional, tantas são as ocasiões em que esse objetivo não é alcançado. Aliás, a impropriedade técnica que está presente quando um juiz ou tribunal afirma negar provimento aos embargos declaratórios, quando deles em verdade não conhecem, é a prova evidente de que essa “impropriedade” não passa senão de um eufemismo de que os tribunais se utilizam para que o embargante não se queixe de que seu recurso sequer foi conhecido, embora na prática seja isso o que acontece.
Mas o fato, comprovado pelas estatísticas, é que são diminutos os casos em que os embargos declaratórios são acolhidos, ainda que em parte. Donde se devem considerar duas hipóteses, que não podem ser ambas verdadeiras: i) ou os embargos declaratórios estão sendo interpostos inadequadamente, ou seja, quando nenhuma das hipóteses legais está configurada, não havendo, pois, omissão a colmatar, obscuridade ou contradição a superar, ou erro material a sanar, e não caberia ao juiz ou ao tribunal senão que não conhecer dos embargos declaratórios; ii) ou conquanto interpostos legitimamente, ou seja, quando ao menos uma dessas hipóteses legais está configurada, o juiz ou tribunal desconsideram ou não bem valoram esse aspecto, e com isso rejeitam os embargos declaratórios.
Importante observar que os embargos declaratórios compõem a nossa já longa história do processo civil, previstos que estavam no CPC/1939 (artigo 808), no que o nosso direito positivo mantinha uma tradição ainda mais antiga, vinda do direito português e de suas Ordenações. Poder-se-ia, então, supor que, diante do longo tempo os embargos declaratórios são previstos no recurso em nosso sistema do processo civil, não haveria mais dúvida das situações para as quais se o poderia utilizar, sobretudo porque não houve nenhuma significativa mudança nas hipóteses legais, que continuam, desde sempre, a ser aquelas que preveem os embargos declaratórios quando há omissão, obscuridade, contradição, ou erro material. Apenas a dúvida acabou eliminada dentre essas hipóteses legais, com o que o Legislador imaginava que, assim, poderia definir melhor o âmbito de cabimento dos embargos declaratórios, o que, contudo, não ocorreu, pois que aquelas tradicionais hipóteses continuaram e ainda continuam a ensejar interpretações a mais variadas possíveis, não propriamente quanto a seu conteúdo, mas sim à aplicação ao caso em concreto. Mesmo a omissão, que, em tese, seria o requisito, digamos, mais objetivo do que a obscuridade e a contradição, não conta com um acolhimento maior do que se registra quando os embargos declaratórios versam sobre esses requisitos. Apenas o erro material é que tem concedido um número maior de vezes em que os embargos declaratórios são acolhidos, isso quando o juiz ou tribunal não decide reconhecer o erro material, fazendo-o como se pudesse prescindir dos embargos declaratórios.
Que as palavras apresentem sentidos diversos, muitas vezes totalmente incompatíveis entre si, disso se sabe bem desde o momento em que ROLAND BARTHES com sua obra “O Grau Zero da Escrita” descreveu como operam a linguagem e seus sistema de signos. Assim, diante das duas hipóteses colocadas, seríamos tentados a concluir que, em sendo natural à linguagem essa imprecisão de sentidos, alegar-se que há omissão que justificaria o provimento a embargos declaratórios não elimina, nem pode eliminar que o juiz e o tribunal não dê à palavra “omissão” o mesmo sentido que a ela deu o embargante, o que ensejaria dizer que a omissão contaria com duas faces, em que uma delas ela existe, enquanto na outra ela não existe, algo quiçá semelhante àquilo a que se referiu recentemente o governo de um importante estado brasileiro, que, ao ser perguntado sobre a ditadura militar no Brasil, negando que ela tivesse existido, argumentou que tudo é uma “questão de interpretação”.
E o mesmo, quem sabe, poder-se-ia dizer dos embargos declaratórios, o que justificaria estejam a ser frustradas as expectativas do Legislador, vencidas por algo que é sobranceiro à lei e que forma a essência humana, e que se expressa bem em um antigo adágio, segundo o qual ninguém é bom juiz de sua “própria causa”.