O Direito Tributário surgiu quando a Ciência do Direito vivia a sua era da infância, que, como toda infância, é cercada de sonhos, mistérios, magia – e ilusões. Acreditava-se, pois, que os impostos não possuíam, ou não deveriam possuir finalidade de arrecadação de receita, senão que a sua finalidade era mais divina, mais científica, o que justificava que a doutrina do Direito Tributário em seus primórdios considerasse como conceito fundamental o do “fato gerador”, em função do qual se pensam e se criam os tributos, sobretudo os impostos. Era a época de LUIGI EINAUDI, de SALVATORE SATTA (que ainda não havia transferido sua inteligência ao campo do processo civil), de DINO JARACH, cuja monografia sobre o fato imponível, publicada em 1943, foi objeto de deleite pela geração dos tributaristas que então surgia, que passava a lidar com as expressões “pressuposto de fato do imposto”, “fattispecie”, “hecho imponible”, e “fato gerador”. Esta última, aliás, que foi objeto de predileção de nosso Legislador, sobretudo depois da obra de GASTON JÈZE.
Era voz corrente entre os tributaristas que a criação de um imposto era uma operação algo transcendental, porque o Legislador mirava o mundo circundante (também chamado de mundo fático), e então, de posse desses dados, definia a “fattispecie”, criando os diversos tipos de tributos.
Não importava saber que, dentre as receitas estatais, a de origem tributária era a de maior fatia. O que interessava aos tributaristas era apenas a abstração, a engenhosidade na criação dos tributos. Não à toa, pois, que, ao lado do Direito Processual Civil, o Direito Tributário é aquele cuja abstração está em seu maior grau.
Mas a idade de ouro da ciência do Direito Tributário desapareceu, o que, guardadas as devidas proporções, também ocorreu com o Direito Processual Civil, quando a ideia da efetividade tomou o lugar que antes estava reservado às abstrações processualísticas. Conquanto com um pouco mais de demora, o mesmo sucedeu ao Direito Tributário, que, em um belo dia, acordou com a realidade batendo à sua porta, para revelar aos tributaristas algo que não queriam ver: o de o Direito Tributário é bonitinho, gracioso, mas o fato é que é dos impostos que vem o dinheiro que move a máquina pública. Isso aconteceu quando o Estado Social foi chamado a atender às necessidades da população, e para isso precisava de dinheiro, que apenas o Direito Tributário poderia fornecer.
Surgiu assim a faceta escondida: a da arrecadação. Os tributos, os impostos em especial, existem para que o Estado possa arrecadar dinheiro, para depois o poder gastar bem ou mal. Tudo bem que os tributaristas continuem a enfatizar a importância do fato gerador, do pressuposto do fato imponível, mas a realidade não pode mais ser escondida. É do dinheiro que o Estado precisa, e os tributos o socorrem.
Mas eis que a abstração insiste em voltar no Direito Tributário. Mas ela tem uma finalidade muito precisa. É que o poder econômico agora está a invocar essa abstração para não querer pagar imposto. No caso, o Imposto sobre Operações Financeiras, que o Governo pretende ampliar apenas com a finalidade de querer arrecadar mais. E o que argumentam os tributaristas em nome do poder econômico: que o imposto não pode se revelar como arrecadatório, ainda que no fundo todo imposto o seja, e não possa deixar de o ser.
Mas não pode ser muito visível esse lado do imposto, porque isso incomoda, sobretudo aqueles que têm que pagar o imposto, no caso a elite econômica, cujos advogados, alguns tributaristas, correm atônitos para alegarem que se trata de um imposto marcadamente arrecadatório, como se o imposto não o fosse, ou não o devesse ser, buscando com esse argumento iludir a opinião pública. A dar razão a NAPOLEÃO quando dizia que é a imaginação que governa o mundo.