Sim, tínhamos um juiz inglês que, por longo tempo, havia enobrecido a nossa magistratura. Afinal, não é toda hora que temos um juiz com uma linhagem tão importante. Mas eis que de repente acordamos e, atônitos, descobrimos que o juiz não era inglês, e a rigor nem juiz era.
Descobrimos, pois, que um cidadão brasileiro, nascido nesta boa terra, inventara um pomposo nome de lorde inglês, daqueles que somente em filmes antigos se pode encontrar, e, dizendo-se pertencente a uma família de longa tradição jurídica (o avô teria sido um brilhante juiz britânico), conseguiu adulterar seus documentos, vivendo por mais de quarenta e cinco anos como se fosse um real súdito da Rainha, conseguindo com esse notável currículo não apenas cursar uma importante universidade brasileira, mas o que é ainda mais significativo, ser aprovado no concurso para a magistratura, atividade que, seguindo a tradição de seu avô, exerceu galhardamente por quase vinte anos, proferindo decisões e julgamentos nos quais emprestava um pouco da velha e conhecida sapiência britânica.
Nem mesmo o genial DOSTOIEVSKI com seu livro “O Duplo” poderia criar um enredo como esse.
Mas como tudo nesta vida tem um fim, descobriu-se que o juiz não era inglês, que sua família é bem brasileira de quatro costados, como revela seu nome, aliás bem brasileiro. Perdemos o juiz inglês, e nosso sonho desvaneceu, embora tenha durado bastante tempo, suficiente aliás para que nosso direito, talvez pela influência do juiz que era inglês, passasse a adotar mecanismos da “commom-law”, como se dá com as súmulas e teses vinculantes. Esperemos que a descoberta de que não tínhamos um juiz inglês entre nós não faça com que esses mecanismos jurídicos importados do direito britânico desapareçam junto com o juiz.
Fica a questão de saber o que fazer com as decisões e sentenças que foram proferidas pelo suposto juiz inglês, proferidas quando não se sabia que ele não era inglês, e nem podia ter sido investido no cargo de juiz. Arrisco dizer que se deve a todos os litigantes envolvidos nesses inúmeros processos uma indenização. Mas não uma indenização pelo fato de que as decisões e sentenças possam vir a ser invalidadas, senão pelo sentimento de frustração que os litigantes suportarão, agora que sabem que seus processos não foram julgados por um juiz inglês.