Se para legislar é indispensável interpretar e ponderar os dados que a realidade material subjacente fornece, operações mentais que são prévias à de legislar, o mesmo não ocorre quando se trata da atividade jurisdicional do juiz, salvo situação excepcional que a Lei tenha previsto e expressamente autorizado, o que significa dizer que a atividade legislativa pelo Poder Judiciário é excepcional, para não dizer excepcionalíssima conforme impõe o princípio da separação dos poderes, cuja rigorosa observância é elemento sem o qual não há, nem pode haver democracia.

Esse tema nos é provocado pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal que, interpretando a regra do artigo 1.641 do Código Civil, e ponderando acerca da obrigatoriedade do regime de separação de bens que o Legislador institui para o casamento que é contraído por maior de setenta anos, entendeu que a regra legal avança além de um justo limite sobre a liberdade de autodeterminação das pessoas idosas, para assim decidir que a obrigatoriedade do regime de separação de bens está condicionada à manifestação expressa de vontade do contraente de mais de setenta anos, externada em escritura pública. O STF, portanto, modificou o conteúdo da norma legal. A questão que se coloca nesse é contexto é saber se o Poder Judiciário pode, a pretexto de  interpretar a norma legal e a ponderar em face de princípios constitucionais, legislar, modificando a solução que o Legislador havia adotado.

Que o princípio da proporcionalidade foi ideado para corrigir as “injustiças” que a norma legal poderá ter, intencionalmente ou não, produzido, sabe-se de ciência certa. Ao Poder Judiciário brasileiro, com efeito, a nossa Constituição de 1988 confere a exclusiva atribuição de, em fazendo aplicar o princípio do devido processo legal “substancial”, corrigir a norma legal naqueles aspectos em que sua aplicação poderá ser revelar “injusta”, conforme determinados critérios de racionalidade.

Mas a correção da norma legal pelo princípio da proporcionalidade é excepcional, tanto quanto é excepcional a atividade legislativa pelo Poder Judiciário, de maneira que, em se tratando de controle concentrado de constitucionalidade, não é suficiente que se tenha instalado uma colisão entre princípios constitucionais, para que se legitime o uso pelo juiz do poder de legislar, modificando o que o Legislador expressou na norma legal. A ponderação que, como forma de controle, está enfeixada no conteúdo do princípio da proporcionalidade, deve ser mais rigorosa quando está em questão não um caso em concreto, mas a norma em si, cuja aplicação deve, a princípio, dar-se nos exatos moldes em que o Legislador a estabeleceu, conforme as escolhas que legitimamente realizou, não cabendo ao Poder Judiciário usurpar esse poder.

Assim, quando o Legislador estatui que um regime de bens é obrigatório, não cabe ao Poder Judiciário, a pretexto de ponderar, modificar o conteúdo da norma legal, porque a ponderação que o Poder Judiciário está a realizar o Legislador a realizou antes e no pleno exercício dos poderes que a Constituição lhe conferiu.

O que é dado ao Poder Judiciário fazer é, examinando as circunstâncias de um caso em concreto, interpretando e ponderando das especificidades da realidade material subjacente, aplicar a norma legal de modo que seu conteúdo adapte-se àquela concreta realidade. Fora disso, é violar os limites impostos pelo princípio da separação dos poderes.

 

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