Não é apenas o Direito das Famílias que vivencia ajustes que a realidade lhe impõe: com o Direito das Sucessões também ocorre fenômeno semelhante.

O STJ, por sua 3a. turma, acaba de decidir que o autor de herança possui o direito subjetivo de organizar e estruturar a sua sucessão da maneira que melhor lhe aprouver, desde que respeite a parte de seu patrimônio que tem, por força de Lei, uma destinação específica: a de seus herdeiros necessários. Decidiu o STJ, com efeito que o autor da herança pode dispor em testamento da legítima de seus herdeiros necessários, o que confere uma maior liberdade, não apenas na forma (testamento), mas em essência, na medida em que o autor da herança pode, como afirma o STJ, organizar e estruturar a herança da forma mais conveniente a seus interesses, bastando apenas que faça respeitar a legítima dos herdeiros necessários.

Poder-se-ia argumentar que nada estaria a mudar, senão que apenas a forma, porque por esse julgado se teria reconhecido tão somente o direito de o autor da herança dispor em testamento da legítima de seus herdeiros necessários. O julgado, contudo, vai além desse aspecto formal, porque permite que o autor da herança, em testamento, organize e estruture sua herança como um todo, inclusive quanto aos bens que compõem a legítima.

O julgado faz ressaltar que o testamento é o instrumento pelo qual o autor da herança conta com uma liberdade que é imanente àquele que quer dispor de seu patrimônio para além de sua morte, contando, pois, com uma liberdade que não possui aquele que não faz testamento.

Perceberá o leitor que o STJ extraiu uma interpretação do artigo 1.857 e seu parágrafo 1o., do Código Civil de 2002, que sobre-excede seu sentido meramente literal, ao considerar que se deve interpretar esse dispositivo legal especialmente sob a perspectiva  da  finalidade do testamento, em face do qual a liberdade com que conta o autor da herança é da essência desse tipo de ato, que, a rigor, é uma manifestação de vontade, tal como o deixa claro o “caput” do referido artigo 1.857.

Nota-se nesse caso em concreto uma importante evolução da jurisprudência brasileira na aplicação de métodos hermenêuticos, que agora são vistos como complementares, e não como excludentes entre si, como era algo usual em nossos tribunais.  Destarte, se o “caput” do artigo 1.857 garante a liberdade do autor da herança em dispor de seu patrimônio no todo ou em parte dele, não há sentido lógico-jurídico em reduzir essa liberdade por meio de uma imposição de natureza meramente formal como faz o parágrafo 1o. do mesmo artigo 1.857. A aplicação conjugada de critérios hermenêuticos permitiu que o STJ concluísse que o parágrafo 1o. do artigo 1.857 tem a finalidade apenas de garantir que a legítima seja respeitada pelo autor da herança, sem lhe obstar  disponha por testamento dos bens que formam a legítima, a permitir ao autor da herança uma organização e estruturação  de todo seu patrimônio, o que encontra no testamento uma azada forma a que isso possa ser feito.

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