Os processualistas mais antigos costumavam dizer que, no processo civil, controverte-se sobre um bem da vida. Vários são os direitos, como diz CHIOVENDA, “como vários são os modos de inclinar-se a um bem da vida, e os próprios bens”. Andando o tempo, mudando a economia, o processo civil, ele próprio, tornou-se um bem da vida.

O jornal “Folha de São Paulo”, edição de ontem, noticia que já existem no mercado fundos que, diversificando seus investimentos, passaram a comprar “disputas judiciais envolvendo litígios entre herdeiros pelos bens deixados pelo patriarca ou pela matriarca da família”. Ou seja, esses fundos “compram” a posição processual do herdeiro.

Esses fundos, diz o jornal, “costumam fazer uma oferta aos herdeiros para comprar o direito de receber o valor previsto alguns anos à frente, mediante um desconto em relação ao montante total em razão do risco de o pagamento da herança atrasar ou, eventualmente, até não ocorrer, a depender dos caminhos trilhados no meio jurídico”.

É o processo civil, ele próprio, transformando-se em um bem da vida, tanto quanto é o bem da vida nele disputado, como no caso da herança, e como é no caso do precatório, outro segmento em que a economia está a se utilizar do processo. Como observou MARX, o sistema capitalista tende a transformar tudo (e a todos) em mercadorias. E o processo civil não poderia estar forma dessa volúpia.

Pois bem, se o processo é um instrumento destinado a solucionar as lides de acordo com o Direito, e se deve supor e esperar que ele consiga fazer isso de forma adequada e em tempo razoável,  se os fundos acreditam que o processo irá demorar tanto que os herdeiros se desinteressarão, não está aí presente um paradoxo, que é o apostar na ineficiência do processo (e do Poder Judiciário) exatamente para transformar o processo em uma mercadoria?

E como em economia não há café grátis, dever-se-ia perguntar sobre quem está a se beneficiar da ineficiência do processo, e se o Estado deve permanecer passivamente a ver as coisas que ocorrem à sua frente sem intervir, como quer o liberalismo, ou se deve cuidar para que o processo não seja senão que um instrumento de composição de lides, e não ele próprio um bem da vida?

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here