Há ou pode haver uma magistratura militante? Este é um tema que, com certa periodicidade, ressurge no campo do Direito, alimentado por análises que vêm da Filosofia e da Sociologia, as quais buscam compreender o papel do juiz sob a perspectiva da relação de poder social que é imanente à magistratura, reforçado esse poder  a partir do momento em que o positivismo jurídico passou a ter uma grande importância, curiosamente quando se esperava que o positivismo pudesse colocar limites à atividade de interpretação do juiz, reduzindo-lhe o poder ao impor a rigorosa observância do enunciado da norma legal.

O positivismo jurídico, como se sabe, foi pensado para afastar do campo do Direito qualquer preocupação de ordem metafísica, de modo que as convicções religiosas, filosóficas e políticas do juiz não devessem causar nenhuma interferência no resultado da interpretação da norma legal. Bastaria, pois, que o juiz, diante de uma norma legal, empregasse os métodos desenvolvidos pela Ciência do Direito, como, por exemplo, os métodos literal e sistemático, e poderia sem dificuldade alcançar seu sentido, que deveria ser o mesmo sentido almejado pelo Legislador.

Mas o positivismo jurídico revelou muito rapidamente suas invencíveis fragilidades, quando se  percebeu que ele não pode impedir a presença de lacunas, ou seja, situações impostas pela realidade e que não foram pensadas pelo Legislador, como também  não pode apresentar adequada solução para o crucial problema que envolve a colisão entre princípios jurídicos. Tanto no caso das lacunas, quanto no conflito entre princípios jurídicos, o juiz possui  inevitavelmente um espaço de liberdade muito maior do que estavam os positivistas dispostos a lhe conceder.

E foi exatamente esse aspecto que conduziu a Filosofia e a Sociologia a se preocuparem com a relação de poder que é imanente à magistratura e que em muitas circunstâncias escapa a qualquer controle social. Importante observar que, conquanto o positivismo jurídico tivesse sido engendrado para evitar que preocupações de ordem metafísica pudessem contaminar o ambiente “puro” do Direito, ele não pôde e jamais poderá impedir que o juiz, ao decidir uma causa, deixe de revelar as verdadeiras razões  com base nas quais proferiu sua decisão, cuja fundamentação é assim apenas aparente.

Assim é que, ingenuamente,  o nosso CPC/2015 determina que o juiz, ao empregar conceitos jurídicos indeterminados, explique o motivo concreto de sua aplicação ao caso em concreto, porque o que o juiz revelará é apenas uma fundamentação formal, dado que as verdadeiras razões que alicerçam a sua decisão, essas ele não relevará a ninguém, senão que à sua consciência. Não há, portanto, controle social sobre essas razões.

Daí o grave problema que envolve a magistratura militante, porque o Direito não tem instrumentos eficazes que permitam eliminar a possibilidade de que o juiz esteja a decidir  com base apenas em suas convicções políticas, que ele comodamente esconde por trás de uma fundamentação meramente formal. Apenas instrumentos que não estão no campo do Direito, mas na sociedade, é que podem garantir um adequado controle.

Para concluir, observemos  que também no campo da Literatura o problema que envolve a discussão acerca da “militância” é já antigo, como comprova o ensaio escrito por LIMA BARRETO em setembro de 1918, em que defendia a “Literatura militante” do então muito em voga escritor francês, ANATOLE FRANCE, acusado de, a pretexto de fazer Literatura, estar em verdade a fazer a propaganda de um credo social. Dizia LIMA BARRETO que se deve chamar de “Literatura Militante” os escritores cuja obra tem um escopo social, como a dele próprio. Mas devemos lembrar que os escritores têm apenas a caneta, enquanto os juízes têm a caneta e o poder.

 

 

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