É palmar que se deve buscar, sempre que possível, a especialização do juiz ou do tribunal no exame da matéria objeto de uma causa. Com efeito, cada área do Direito guarda certas peculiaridades, opera com determinados princípios, e obviamente se pode esperar que o julgador especializado possa decidir melhor a causa. Justifica-se, assim, que os tribunais tenham autonomia administrativa para criarem varas e câmaras especializadas.
Mas há um aspecto que tem passado ao largo desse tema e que diz respeito ao princípio do juiz natural, tão caro a um Estado de Direito quanto é o princípio do devido processo legal, no bojo do qual, aliás, a proteção ao juiz natural está enfeixada. Varas e câmaras especializadas atendem ao princípio do juiz natural, ou não?
Depende, é a resposta. Porque se deve ter um especial cuidado na forma como serão providas varas e câmaras especializadas, sob pena de grave violação ao princípio do juiz natural.
A primeira e mais importante exigência que esse princípio impõe radica na obrigatoriedade de que as varas e câmaras especializadas sejam criadas por lei formal, a qual deve prever que essa criação observe o mesmo procedimento adotado para qualquer outra vara ou câmara não especializada, o que quer dizer que a especialização é apenas da matéria que envolve determinadas demandas, e não quanto à estruturação do órgão julgador (vara ou câmara).
Não se pode, sob pena de violação ao princípio do juiz natural, criar vara ou câmara especializada com uma forma de provimento diversa daquela adotada para varas ou câmaras comuns. Não pode um tribunal, por exemplo, criar uma câmara especializada e a fazer integrada por desembargadores que estejam em câmaras comuns. A forma de provimento a essas câmaras deve ser rigorosamente idêntica à das câmaras comuns, o que significa dizer que se devem adotar os critérios da antiguidade e do merecimento, conforme a lei preveja, e adotados de maneira geral. Não há, pois, qualquer razão que justifique uma espécie de discrímem para a criação e estrutura de varas e câmaras especializadas.
Não pode um tribunal, pois, indicar por sua livre escolha indicar os membros que integrarão as câmaras especializadas, porque esse tipo de provimento não se coaduna com o princípio do juiz natural. Portanto, não há, nem pode haver discricionariedade em favor do tribunal não escolha dos integrantes de uma câmara especializada, como também não há na escolha do juiz que comandará uma vara privativa.
Criada uma câmara especializada, seus membros, providos segundo a lei, passam a integrar apenas essa câmara, desligando-se definitivamente de sua câmara de origem. Não podem pertencer ao mesmo tempo a câmaras diversas.
Em tribunais constitucionais de países da Europa Ocidental, como na Alemanha em especial, trata-se com o máximo rigor o princípio do juiz natural, mas esse mesmo rigor não é ainda observado no Brasil. O Supremo Tribunal Federal há alguns anos enfrentou uma questão que se referia à criação em um tribunal estadual de câmaras temporárias, formadas por juízes que estavam ainda em primeiro grau. Essas câmaras extraordinárias haviam sido criadas como uma forma de solucionar o atraso no trâmite dos recursos, mas havia nelas um defeito mortal: tinham sido criadas depois da distribuição dos recursos que essas mesmas câmaras viriam a julgar, violando evidentemente o princípio do juiz natural, nulos todos os julgamentos, portanto. Mas infelizmente não foi isso que ocorreu, a demonstrar que entre nós ainda não se deu ainda o devido valor ao princípio do juiz natural.
Conforme observa NELSON NERY JUNIOR: “O princípio do juiz natural, enquanto postulado constitucional adotado pela maior dos países cultos, tem grande importância na garantia do Estado de Direito, bem como na manutenção dos preceitos básicos de imparcialidade do juiz na aplicação da atividade jurisdicional, atributo esse que se presta à defesa e proteção do interesse social e do interesse público geral”. (“Princípios do Processo Civil na Constituição Federal”, p. 65, RT).
Está precisamente na questão da imparcialidade o que forma o núcleo do princípio do juiz natural. Não pode haver nenhuma forma de ingerência (política, jurídica ou de qualquer outro matiz) na escolha do julgador. Critérios objetivos como os da antiguidade e do merecimento na forma de provimento de varas e câmaras especializadas não podem ceder espaço a qualquer forma de escolha pessoal do julgador.