Vivemos a era a que alguns sociólogos chamam de “pós-moderna”, uma sociedade que é caracterizada por uma velocidade cada vez maior no campo das comunicações, paradoxalmente em um mundo cada vez mais individualista. As redes sociais ocuparam, com efeito, o espaço antes reservado aos jornais, hoje quase que transformados a objeto de museu, como comprova o baixíssimo número de assinantes.
Mas é em especial no campo do Direito que as redes sociais estão a provocar profundas modificações. É o caso do Direito Eleitoral que, dentre os ramos do Direito, era aquele que não contava com uma estrutura legal e doutrinária de relevo, se comparada, por exemplo, com a do Direito Civil, do Direito Penal e do Direito Constitucional. Muitos cursos de Direito sequer tinham em sua grade uma disciplina destinada ao estudo do Direito Eleitoral. E mesmo a Justiça Eleitoral sempre foi tida no Brasil como um apêndice do Poder Judiciário Estadual, que emprestava funcionários e juízes para que, sobretudo em anos eleitorais, aquela Justiça pudesse funcionar. Nos tribunais, pouquíssimos eram os juízes que se interessavam em assumir o exercício da jurisdição eleitoral. Os cidadãos, quando convocados a exercerem o múnus público de mesário, viam sem importância a função, e dela logo tentavam fugir.
Mas tudo isso mudou no Brasil com a chegada das redes sociais dentro de um fenômeno que está diretamente ligado à ideia de democracia, cada vez mais próxima dos interesses dos indivíduos, que começaram a ver pelas redes sociais seus problemas concretos ali tratados, ou ao menos ali expostos. As redes sociais transformaram-se assim em um legítimo canal de acesso imediato e eficiente, franqueada a todos, o que por sinal é sua característica mais atraente. E assim é que o Direito Eleitoral, arrastado pelo fenômeno sociopolítico que envolve as redes sociais, assumiu uma importância que mui provavelmente nenhum especialista nesse ramo do Direito poderia lobrigar há dez ou vinte anos atrás.
Mas se as redes sociais elevaram de patamar de importância o Direito Eleitoral, tornando-o assunto do dia-a-dia das pessoas, as redes sociais também trouxeram aos operadores do Direito problemas com os quais eles e o Direito nunca haviam lidado. E esses problemas são vários e importantes.
O mais sério desses problemas radica na compreensão de que as redes sociais operaram uma emblemática mudança de paradigma na forma como as pessoas se comunicam e como recebem e recepcionam as informações que circulam nas redes sociais. O leitor das redes sociais não é o leitor passivo que estava diante das páginas do jornal. Ele pode reagir e interagir imediatamente, atingindo em segundo um público imenso. Assim ocorre naturalmente com a propaganda eleitoral.
Daí a urgente necessidade de se pensar nas novas e inéditas funções que se passou a atribuir ao Direito Eleitoral na sociedade pós-moderna, em que a propaganda dos candidatos passa a ser feita quase que exclusivamente pelas redes sociais. Claro está que o nosso Código Eleitoral, que foi editado em 1965, não podia supor que essa forma de propaganda eleitoral viesse a ocupar o espaço que está hoje a ocupar, e que ocupará cada vez mais a cada pleito eleitoral. Mesmo que o Código Eleitoral tenha ao longo do tempo passado por modificações, essas alterações foram sempre pontuais e não puderam causar qualquer influxo na estrutura do Código, sobretudo em seus princípios, que continuam sendo rigorosamente aqueles mesmos princípios pensados em 1965, aliás à época do governo militar.
As redes sociais, impactando a forma da propaganda eleitoral, provocam a urgente necessidade de se pensar em um novo Código Eleitoral ajustado a seu tempo e a uma sociedade pós-moderna em que o ritmo da informação é absurdo, em que a facilidade de se fazer uma publicação (uma postagem como se diz) incentiva o indivíduo a se comunicar, expondo suas opiniões, vontades, desejos e críticas, o que, só por si, é um elemento social importantíssimo e que explica o grau de penetração que a propaganda eleitoral alcançou no Brasil, se compararmos com o que acontecia há alguns anos, quando o “horário político eleitoral” era normalmente o tempo que o telespectador ou ouvinte aproveitavam para, deixando a televisão ou o rádio ligados, fazer alguma outra coisa. Hoje, a propaganda eleitoral está o tempo todo nas redes sociais, ocupando-a densamente e sem um controle de tempo, porque é impossível qualquer controle de veiculação, sobretudo quanto ao número de vezes em que uma propaganda política é veiculada ou mantida sob exposição.
E mesmo que consideremos que a propaganda se mantém tradicionalmente na televisão e no rádio, por força do que prevê o Código Eleitoral de 1965, o fato é que o que repercute maciçamente é quando essa mesma publicação é transformada em vídeos curtos, em verdadeiros esquetes e veiculados nas redes sociais, atingindo a casa de milhões de visualizações em questão de segundos.
Em um mundo assim, rápido, apressado, como esperar que um Código pensado e escrito em 1965, para uma sociedade brasileira que nem era ainda moderna, possa continuar a ser aplicado com alguma eficiência e justiça em uma sociedade que agora é pós-moderna? Esse é o hercúleo desafio colocado ao Legislador, sobretudo ao Legislador Constitucional, porque como o Direito Eleitoral prende suas raízes na Democracia, e como a Democracia é uma tema naturalmente constitucional, temos a necessidade de que, antes de se modificar o Código Eleitoral, modifique-se a Constituição, definindo quais são os princípios que devem formar a estrutura do novo Código Eleitoral, qual é o papel da Justiça Eleitoral no controle do conteúdo da propaganda realizada em redes sociais, e como se deve pensar o princípio constitucional da proporcionalidade aplicado aos domínios do Direito Eleitoral.
Sim, o princípio constitucional da proporcionalidade, chegamos a ele, porque é por meio desse princípio que se pode definir o que é justo e o que não é justo quando há conflitos entre direitos e valores constitucionais, sabendo-se de ciência certa que a Liberdade é um valor jurídico que está o tempo todo a colidir com outros direitos, e por isso é indispensável que o Poder Judiciário proceda às ponderações necessárias, sempre diante das circunstâncias dos casos em concreto.
Mas como fazer ponderação em face de um vetusto e ultrapassado Código Eleitoral de 1965? Como o podemos fazer senão que nos socorrendo das normas da Constituição de 1988, pois que são elas que podem supeditar a solução dos novos casos jurídicos trazidos com as redes sociais. As normas constitucionais que dão essas respostas são as que preveem os princípios que formam e estruturam nosso Estado de Direito e nossa Democracia, as normas que fixam os direitos fundamentais, atuando o princípio da proporcional nesse cadinho que é social, cultura, político e jurídico ao mesmo tempo, buscando-se encontrar soluções justas.
E assim como deve surgir um novo Código Eleitoral ajustado aos novos tempos, seria também recomendável que a Constituição, ela própria, trouxesse estampado em seus textos direitos fundamentais de natureza constitucional-eleitoral, com a previsão expressa, por exemplo, dos limites que se devem considerar razoáveis quanto ao conteúdo da propaganda eleitoral e que critérios de controle o Poder Judiciário pode executar nesse delicado terreno.