Onde está a justiça? Está no juiz, na lei, ou deve estar em ambos, ou se presente apenas no juiz será o suficiente para que a justiça se faça realizar?
Vejamos esta frase de HEGEL: “Que o sentimento possua um caráter justo e verdadeiro depende de suas determinações, do que chamamos conteúdo do sentimento. Um tal conteúdo é o direito; assim o direito constitui meu sentimento ou forma parte de meu caráter de meu ser. O mesmo conteúdo pode existir também como inclinação e, ademais, como lei do Estado ou como lei ética”.
Esta citação está no livro “O Conceito de Religião”, de HEGEL, em que o grande filósofo alemão analisa, com a profundidade que lhe é peculiar, se é o conteúdo de um objeto o que determina a sua essência como verdadeiro ou como justo, e se é na consciência, ou seja, na razão, e não no sentimento, que essa determinação surge antes.
Conquanto esteja a se referir de modo particular ao sentimento religioso, podemos utilizar o pensamento de Hegel e o aplicar ao Direito: “(…) devemos buscar primeiramente na consciência as determinações do conteúdo, que difere de mim; somente então poderemos mostrar o caráter religioso do sentimento, a saber, quando voltamos a encontrar nele essas determinações do conteúdo“.
O que aplicado ao Direito nos permite concluir que o juiz deve encontrar primeiro em sua consciência, e depois em seu sentimento, a justiça como objeto, e dele extrair as determinações de seu conteúdo, o que significa dizer que é indispensável que o justo seja o objeto da lei, dela própria, e que a consciência do juiz a possa reconhecer como tal, extraindo seu desenvolvimento para aplicação aos casos em concreto. Ou seja, o sentimento do justo não é a fonte da justiça, senão que o contrário.
Indaga HEGEL: “é verdadeiro, justo, algo pelo fato de encontrar-se em meu sentimento? Constitui o sentimento a confirmação ou deve ser o conteúdo nele e para e para si justo, verdadeiro, ético? É na lei enquanto objeto do justo que o juiz deve encontrar o conteúdo da justiça, e quando há a união entre a razão do juiz e a justiça da lei, o sentimento correspondente ao conhecimento particular do objeto (da justiça), apropriando-se o juiz desse conhecimento para o fazer aplicado aos casos que julga. Quando assim sucede, o juiz terá a identidade do espírito de justiça consigo mesmo, havendo aí uma subjetividade em um sentido muito mais elevado, observa Hegel.
Observe-se com atenção ao que adscreve HEGEL no mesmo livro mencionado:
“(…) Recorremos ao mero sentimento quando não dispomos de outras razões. (…). Pelo contrário, através do pensamento, o conceito, nos encontramos no terreno da universalidade, da racionalidade, e temos diante de nós a natureza da coisa; acerca disto podemos nos colocar de acordo. A coisa é assim o comum; a ela nos submetemos. Porém, se passamos ao sentimento, abandonamos o terreno em que é possível uma compreensão objetiva e universal e nos isolamos na esfera de nossa contingência; não se considera então a natureza necessária da coisa, senão que se olha tão somente como ela se encontra em nós. Nesta esfera, cada um faz da coisa a sua coisa, sua particularidade (…)”.
Está aí bem fixado o risco que se corre quando a interpretação feita pelo juiz baseia-se exclusivamente no sentimento que ele possui da justiça, de uma justiça que é “coisa sua”, e que não pode não encontrar legitimidade na razão que a lei tenha estabelecido.