Ao tempo em que governava Portugal com mão de ferro e com a sua “PIDE”, a política secreta, ANTONIO SALAZAR, não era tolerante com a literatura, menos ainda com a literatura de ficção, e por isso não admitiria, em hipótese alguma, que algum escritor escrevesse um livro em que sua morte, a dele, SALAZAR, pudesse ser objeto de um livro, ainda que de pura ficção. Nenhum escritor português da época atreveu-se a isso, e nem mesmo o nosso renomado escritor e crítico literário, ALVARO LINS, que entre 1956 a 1959, foi nosso embaixador em Portugal, poderia ousar pensar na morte de SALAZAR, para escrever um livro de ficção sobre o tema.
Somente agora, mais precisamente em 2021, que um autor, e um autor italiano, MARCO FERRARI, tivera a audácia de escrever uma obra em que mistura ficção e realidade, para tratar das duas mortes de SALAZAR. E se era ousadia escrever sobre uma morte de SALAZAR, o que dizer sobre as “duas mortes” do ditador português. O livro se chama “A Incrível História de António Salazar – O Ditador que morreu duas vezes”.
A história começa no momento em que o constitucionalista MARCELLO CAETANO é chamado às pressas para substituir SALAZAR no cargo de presidente do conselho, para governar um país já dilacerado por uma ditadura, tão dilacerada quanto o próprio país. Durante dois anos, MARCELLO CAETANO e seu gabinete operavam com dois mundos: um de pura ficção, criado para manter SALAZAR na ignorância do que realmente ocorria no mundo real, em que sua ditadura estava prestes a morrer com ele. Salazar morreu pensando que ainda governava Portugal.
É a velha e boa ficção a misturar a realidade com a fantasia daquilo que poderia ter sido real, mas que não era e não é, e que sempre agrada o leitor quando é bem escrita. Como entende GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ, a fantasia nada tem a ver com a realidade do mundo em que vivemos: é uma pura invenção fantástica, um embuste, tendo ainda observado que, na América Latina e no Caribe, os artistas tiveram que inventar pouco, porque seu problema é o contrário: tornar crível a sua realidade, tantas são as vicissitudes que, a rigor, somente poderiam ser pensadas como ficção.
Vários autores ao longo do tempo fizeram literatura de ficção de grande qualidade, e o escritor MARCO FERRARI mantém essa tradição, ao tratar das “duas mortes” de SALAZAR. Livro cuja leitura recomenda-se, portanto.
O problema está quando o que morre na ficção não é o ditador ou um governante qualquer: é a literatura, ela própria, quando o assassino da literatura é o escritor com sua pueril escrita, tão pueril que o leitor custa a crer que esteja diante de um escritor.
Salvemos a literatura de ficção, mas apenas a de qualidade, como a produzida por MARCO FERRARI.