Constitui um dogma ao Direito da nossa modernidade (ou da nossa pós-modernidade) a proteção absoluta ao valor da publicidade aplicada ao campo do direito público, de modo que, em uma sociedade democrática, e em face de um Estado de Direito, a política não pode ter seus mistérios. Com efeito, o artigo 37, “caput”, da Constituição de 1988, obriga a que a Administração Pública obedeça à publicidade.
E como se trata de um dogma, de uma verdade definitiva, não é comum que os juristas discutam a respeito da transparência aplicada às relações da política com o Direito.
Mas nesse tema, como em muitos outros, uma reflexão nos é imposta pela Filosofia.
Em seu livro “A Sociedade da Transparência”, afirma o filósofo, BYUNG-CHUL HAN:
“A política é um agir estratégico. Já por causa disso lhe é própria uma esfera oculta. Uma total transparência iria paralisá-la. Assim, ‘o postulado da publicidade (segundo Carl Schmidt) tem seu opositor específico na ideia de que pertencem àquela política arcana mistérios técnico-políticos que são de fato tão necessários ao absolutismo como os mistérios dos negócios e das empresas para uma propriedade privada e para a vida econômica, que se baseia na concorrência’. Somente na teatrocracia é que a política aparece sem mistérios. Aqui a ação política dá espaço à mera encenação”.
Isso nos conduz a refletir se o Direito não deve respeitar certos limites que decorrem do que se pode chamar de “mistérios da política”, e que são imanentes a um saber e a um decidir político estratégico. Pois bem, os atos discricionários do Poder Público não envolvem em seu conteúdo esses mistérios, e a eficácia desses atos não radica exatamente no mistério que os deve cercar? Lembre-se que antes do surgimento do princípio da proporcionalidade e de sua aplicação no campo do direito administrativo, era comum na doutrina a afirmação de que o mérito do ato administrativo discricionário, constituído pelo que se denomina de “critérios de oportunidade e conveniência”, não podia ser examinado pelo Poder Judiciário, o que hoje cedeu passo à prevalência da publicidade, e objeto de controle jurisdicional pelo princípio da proporcionalidade.
Poder-se-ia argumentar que CARL SCHMITT foi o filósofo “oficial” do Nazismo, e de fato há essa nódoa na carreira desse pensador. Mas o mesmo não ocorreu com HEIDEGGER, e isso não obstou a que as suas obras e ideias fossem respeitadas como as de um grande filósofo.
Para concluir, reflitamos: o princípio da proporcionalidade, que é o instrumento pelo qual o princípio da transparência tornou-se valor nuclear no mundo da política, não deve levar em consideração os “mistérios da política”?