“Seção III
– Do Indeferimento da Petição Inicial
Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
I – for inepta;
II – a parte for manifestamente ilegítima;
III – o autor carecer de interesse processual;
IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.
§ 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;
III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.
§ 2º Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito.
§ 3º Na hipótese do § 2º, o valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados.
Comentários: para além dos requisitos enumerados no artigo 319 do CPC/2015, requisitos que, não atendidos, devem conduzir ao indeferimento da peça inicial e, por consequência, à extinção anormal do processo, o artigo 330 traz outros requisitos, que não são puramente formais, como é o caso da legitimidade ativa e passiva para a causa. Trata-se aí, pois, de um requisito que diz respeito diretamente à relação jurídico-material, em face da qual se define se há ou não a legitimidade para a causa. O mesmo, aliás, se há dizer do interesse processual (ou também chamado “interesse de agir), que é a demonstração pelo autor de que efetivamente necessita da tutela jurisdicional, pelas circunstâncias da realidade material subjacente, além de a tutela jurisdicional que está a pleitear se adequada revelar-se possível, em um exame que é feito igualmente com base nas circunstâncias do caso em concreto. Tanto a legitimidade para a causa, quanto o interesse processual são aferidos “in status assertionis”, o que significa dizer que esse exame é feito apenas em face daquilo que consta da peça inicial, sem o cotejo com o que viesse a ser alegado pelo réu. Nesse tipo de situação, o zelo do magistrado deve ser ainda maior do que o comum, porque deve estar convencido, mais do que isso, seguro de que há mesmo a ilegitimidade, ou falta ao autor o interesse processual. Havendo dúvida, tanto melhor faça instaurar o contraditório, levando o processo a um grau de cognição maior do que existe quando a petição inicial está a ser analisada em momento inicial no processo. Se não há legitimidade, ou não há interesse processual, a petição inicial deve ser indeferida e, como dito, essa é uma medida ponderosa e deve ser tratada pelo juiz como tal.
Essa mesma consequência – a extinção anormal do processo – deve ser aplicada no caso de a petição inicial revelar-se inepta, o que, no dicionário comum, significa uma coisa que não se presta a alcançar o fim a que se destina. Uma petição inicial inepta é, portanto, uma petição inicial que não pode alcançar o fim a que o autor a destinou, qual seja, o de que o Poder Judiciário conhecesse de sua pretensão – e inepta, deve ser indeferida.
Conquanto se trate o conceito de “inépcia” de um conceito indeterminado, ao Legislador pareceu conveniente fixar, com alguma precisão, as hipóteses em que a petição inicial deverá ser tida como inepta, o que de fato constitui medida razoável se levarmos em conta que a extinção anormal do processo é sempre uma medida excepcional.
As hipóteses de inépcia da petição inicial estão previstas no parágrafo 1o. do artigo 330. Será tida como inepta a petição inicial, pois, quando lhe faltar pedido ou causa de pedir, o que constitui em parte um requisito formal, mas apenas em parte, porque por “ausência” do pedido ou da causa de pedir deve-se entender também a hipótese de o pedido, conquanto exista formalmente, não é perfeitamente compreensível, seja no plano lógico, seja no plano jurídico, em uma situação que equivale à de “ausência” do pedido, devendo conduzir ao indeferimento da petição inicial.
Outras hipóteses que configuram a inépcia da peça inicial, também previstas expressamente no artigo 330, parágrafo 1o., do CPC/2015, são aquelas em que o pedido se revela indeterminado, não autorizando a lei que o autor pudesse veicular um pedido genérico, ou quando da narração dos fatos não decorra, no plano lógico, a conclusão, hipótese que guarda certa similitude com aquela em que o pedido não é perfeitamente compreensível, o que também parece ocorrer com a outra hipótese prevista no artigo 330, parágrafo 1o., que é a inépcia da peça inicial quando os pedidos se mostram incompatíveis entre si. Nessas duas situações, poder-se-ia dizer que há uma “ausência” de pedido, ao menos no sentido de que não existe um pedido compreensível, mas são situações algo distintas daquela da “ausência do pedido”, porque na hipótese do inciso III (“da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão”) está-se a considerar apenas o encadeamento lógico entre a causa de pedir e o pedido, e não propriamente a construção em si do pedido. E quanto à hipótese prevista no inciso IV (“contiver pedidos incompatíveis entre si”), ela somente se aplica, por óbvio, quando há cumulação de pedidos ou demandas.
Um novo requisito surgiu no CPC/2015 e que está previsto no parágrafo 2o. do artigo 330, e se refere às ações nas quais o autor controverta sobre obrigações decorrentes de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, a demonstrar como o Legislador brasileiro não consegue muitas vezes se libertar de pressões de grupos econômicos, submetendo-se a elas. A norma em questão é um manifesto exemplo de que como esses grupos conseguem transformar em lei seus objetivos puramente econômicos, como a criar uma exceção para um determinado e específico número de ações, que são exatamente aquelas que são ajuizadas por consumidores contra empresas integrantes de poderosos grupos econômicos. É o que explica o exigir o CPC/2015 que, nessas ações (e apenas nelas), o autor, sob pena de suportar o indeferimento da peça inicial, indique expressamente na petição inicial o valor incontroverso do débito, e mais do que isso, que continue a pagar esse valor incontroverso, e que se não o fizer terá a petição inicial indeferida. Não há exemplo mais evidente para demonstrar como o processo civil brasileiro está a atuar como instrumento de grupos econômicos.
O processo civil brasileiro transformou-se, pois, em “o dinheiro do espírito”, se pudéssemos parafrasear o que disse MARX da Lógica de HEGEL, no sentido de que a Lógica se tornou o elemento abstrato em que se resolvem todos os valores concretos e no qual esses valores perdem a sua significação particular. O mesmo, pois, se pode dizer do processo civil brasileiro, que se tornou o elemento abstrato em que os valores de proteção ao consumidor perderam toda a sua significação particular.