Há um limite tênue, mas há um limite que permite distinguir entre uma intencional omissão legislativa, e que por ser intencional, não pode ser suprida pelo Poder Judiciário a não ser em face de um caso em concreto, e a omissão legislativa que se caracteriza em não ter podido o Legislador prever uma determinada situação jurídica que surge após a entrada em vigor da lei, caso em que o Poder Judiciário pode e deve substituir temporariamente o Legislador, até que sobrevenha uma lei que regule a novel situação.

Assim, quando o Legislador, conhecendo com completude de uma determinada relação jurídica, não quer ou não pode legislar a respeito, o que cabe ao Poder Judiciário diante desse tipo de omissão é analisar seus efeitos no mundo concreto, ou seja, examinando as circunstâncias da realidade material subjacente, de modo que o provimento jurisdicional somente poderá produzir efeitos nos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada material. Ou seja, apenas entre as partes que litigavam.

Mas no caso em que a omissão legislativa decorre não de um querer do Legislador, mas de algo que lhe escapou à vontade, uma situação jurídica que era de todo imprevisível, então diante desse tipo de omissão o Poder Judiciário, uma vez provocado, pode substituir o Legislador, emitindo um provimento jurisdicional que produzirá efeitos como se se tratasse de uma lei. Um provimento jurisdicional com efeitos abstratos, mas temporários, a perdurarem apenas durante o tempo em que uma nova lei não tiver surgido. É para esse tipo de omissão que cabe o mandado de injunção, previsto no artigo 5o., inciso LXXI, da Constituição de 1988.

Portanto, a compasso com o reconhecer que exista uma omissão legislativa, deve o Poder Judiciária perscrutar se ela é ou não intencional, porque se o Legislador não tiver querido legislar, o Poder Judiciário deve observar rigorosamente a separação entre os Poderes legitimamente constituídos, cabendo apenas decidir no caso em concreto, sem fazer estender  seus efeitos para além das partes do processo.

Consideremos, a título de exemplo, o que diz respeito ao percentual a ser aplicado às multas de natureza tributária no Brasil. Com efeito, não pareceu conveniente ao Legislador federal legislar a respeito do tema, porque considerou que, impor um percentual máximo, causaria um influxo sobre um espaço de discricionariedade que a Constituição de 1988 concedeu a cada poder público quanto às suas competências tributária. De maneira que se cuida aí evidentemente de uma omissão intencional do Legislador, e em face dela cabe ao Poder Judiciário analisar a matéria apenas nos limites de cada demanda em que essa matéria tiver sido questionada, para decidir se o percentual aplicado pelo ente público é razoável e proporcional, ou não. O provimento jurisdicional produzirá efeitos apenas nos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada material gerada no específico e concreto processo.

Portanto, quando o Poder Judiciário resolve afastar uma omissão legislativa que é assinaladamente intencional, está a arrostar o princípio da separação dos poderes, com os riscos bastante acentuados que envolvem o Estado de Direito. Nesse perigoso terreno em que se colocam os limites de cada poder, sabe-se onde começam os problemas, mas não se sabe bem aonde eles podem chegar.

 

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