Suponho que meu leitor tenha o hábito de ler diariamente seus jornais, ou melhor as notícias que antigamente os jornais tinham o costume de publicar e que agora o leitor as pode encontrar nas redes sociais, mas enfim tudo é notícia e isso é que importa aqui, pois que suponho que meu leitor terá, nos últimos dias, lido duas interessantes notícias.

Em uma delas, um ministro de uma corte suprema afirma que os juízes não podem ser “vingadores”, ou seja, não se pode admitir que um juiz queira assumir para si o papel de vingador das desigualdades produzidas pela sociedade.

Noutra notícia, o nosso querido leitor deparou-se com a declaração de um ministro, também de uma corte suprema, afirmando, com pompa e circunstância, que ele fora sempre um “juiz garantista”.

Chegamos ao ponto: o leitor, de posse dessas duas matérias de jornal, concluiu quem um bom juiz é aquele juiz que não é vingador, mas que é garantista. Mas o que é não ser um e ser o outro, ou seja, um juiz não pode ser vingador, mas deve ser garantista. O que forma esse defeito (o ser vingador) e o que forma esse predicado (o ser garantista)? O que nosso leitor primeiro fez foi tratar de buscar um bom dicionário.

“Vingador” é a pessoa que se vinga ou almeja vingança, mas é também algo que medra, cresce e se desenvolve. Então, nosso leitor concluiu que um juiz que queira se vingar, ou que almeje vingança, não é um “bom juiz”. Mas aí o nosso leitor ficou sem saber do que o “juiz vingador” estaria a querer se vingar. Das injustiças, talvez. Mas todos os bons homens, de bom coração, incluindo os juízes de bom coração, não devem aceitar passivamente as injustiças, senão que devem contra elas se indignar. De maneira que o nosso estimado leitor pôde concluir que não são as injustiças o que move o “juiz vingador”,   porque se assim fosse ele seria um bom juiz, e certamente o ministro não estaria a falar do bom juiz, quando quis censurar o ” juiz vingador”. O nosso leitor ficou a pensar.

Mas nesse meio tempo ele também começou a pensar sobre o que vem a ser um “juiz garantista”, sendo esse, aliás, um perfil muito desejado entre boa parte dos juízes, segundo soube nosso leitor a partir de um estudo de sociologia da profissão de magistrado que lhe caiu às mãos. Nosso leitor não precisou então dicionário, tão elementar lhe pareceu que um “juiz garantista” quer apenas garantir que a lei seja cumprida, doa a quem doer.

Daí ter o nosso estimado leitor cuidado observar que se o juiz existe para fazer com que a lei seja cumprida, nenhum juiz pode deixar de ser garantista. Simples assim. Mas se é simples assim não haveria razão para um ministro de uma corte suprema destacar que se prezava por ter sido sempre, durante toda a sua longa trajetória profissional,  um “juiz garantista”, dando a supor que outros juízes não o seriam garantistas.

Depois de muito pensar, o nosso leitor chegou à segura conclusão de que um “juiz garantista” é aquele juiz que quer  garantir que as injustiças não ocorram, e que quando inevitavelmente tenham que ocorrer,  cuidará garantir que sejam tais injustiças reparadas. Esse seria o lídimo papel de um “juiz garantista”.

Mas foi exatamente nesse ponto que o nosso leitor estancou diante de um problema parecido com os problemas transcendentais com os quais KANT lidava. Com efeito, se um “juiz garantista” deve garantir que as injustiças deste mundo sejam reparadas, isso não o transforma em um “juiz vingador”?

Sem poder resolver esse gravíssimo problema ontológico, o nosso leitor espera que o juiz seja apenas um juiz, e que julgue bem as demandas que lhe toque julgar. Como se dizia antigamente, o juiz deve utilizar-se do bom senso como critério de seus julgamentos, e se souber Direito, tanto melhor.

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